Édipo e sua filha Antígona, de Fulchran-Jean Harriet (1776-1805)
O Brasil vive um clima de intolerância e confronto. O diálogo fica cada vez mais difícil: as preferências político-partidárias estão dividindo famílias, acabando com amizades e relacionamentos. Um dos atores mais importantes – e mais polêmicos – desse cenário é a mídia. Acusados por todos os lados, os jornalistas enfrentam sérios dilemas éticos todos os dias. Nesse contexto complexo e violento, é possível pensar em ética? Para Renato Janine Ribeiro (professor titular da USP e ex-ministro da Educação), não é apenas possível, mas essencial. E é exatamente esse o tema que seu mais novo livro aborda. “A Imprensa entre Antígona e Maquiavel- A ética jornalística na vida real das redações” (Editora Referência, 2015) foi lançado ontem em São Paulo. A obra é fruto de um curso de Ética da ESPM, ministrado pelo ex-ministro, entre 2011 e 2013, e é formada por onze artigos de alunos, além de prefácio e posfácio escritos por Janine.
Durante o lançamento, o professor e filósofo levantou algumas questões importantes, não apenas para os jornalistas, mas para os leitores em geral. Como lidar com a falta de autonomia e independência nas redações? Como as preferências políticas dos donos do veículo de comunicação afetam o conteúdo do noticiário? Que papel têm os patrocinadores e anunciantes? O leitor está realmente se informando ao ler jornais e revistas brasileiros ou ao assistir aos telejornais? Janine acredita que a existe cada vez menos informação e mais opinião nos principais meios de comunicação brasileiros. “Como ministro, pude sentir na pele que alguns de nossos grande jornais mentem. Dão informações erradas, simplesmente, ou publicam meias verdades, que também são meias mentiras. Não têm estrutura para que sejam feitas grandes coberturas jornalísticas. O repórter não vai atrás da notícia, muitas vezes, por falta de condições.Isso torna o cenário atual muito complicado”, afirma.
A internet, na opinião de Janine, tem um papel importante. Se por um lado dissemina informações discutíveis, por outro, é uma forma das pessoas questionarem distorções ou divulgarem temas que são excluídos do noticiário tradicional. “O grande problema das redes sociais é que acabamos tendo contato apenas com quem pensa de forma muito parecida com a nossa, o que empobrece a discussão. Os blogs estão ganhando importância. Muitas vezes, quando precisamos de informações, recorremos a eles. Isso é ótimo”, acredita. O enfraquecimento dos sindicatos é um dos fatores que tiveram impacto negativo na categoria (jornalistas), segundo Janine.
Maquiavel ou Antígona? Janine observou que a maioria das alunas mulheres desenvolveu trabalhos sobre Antígona, conhecido personagem de Sófocles, e os homens, sobre Maquiavel. Trazendo para o cotidiano das redações conceitos filosóficos e éticos, o professor nos mostra a extrema importância da ética na atualidade.
“Maquiavel mostra bem este mundo em que a regra não tem mais lugar garantido e a decisão de violá-la se toma inúmeras vezes; o que podemos aprender com ele é que a exceção à regra não é mero desregramento, mas tem sua lógica. Ele nos dá a chance de sair do moralismo hipócrita de quem vê o cisco no olho do outro e finge não enxergar a trave no seu. Já Antígona expressa a rebeldia no que tem de mais belo. O que, porém, muitos e muitas esquecem é que essa rebelde pagou um preço alto. Por ser fiel a seus ideais, foi executada. Hoje, a questão não é tanto termos rebeldes sem causa, é termos rebeldes sem custo: gente que pensa que infringir a lei se faz por capricho (não, como no caso de Antígona, com plena consciência) e que não se paga nada por isso. Corremos o risco de viver um Maquiavel e uma Antígona baratos, sem valor” , conclui.
Texto de Márcia Pinna Raspanti.
“A Imprensa entre Antígona e Maquiavel. A ética jornalística na vida real das redações”, organizado por Renato Janine Ribeiro. Editora Referência, 2015.
Boa tarde!
Parabéns pelo editorial…!!!
“Ética nos tempos do ódio”
As ótimas Historiadora/Jornalista:
Mary Del Priore / Márcia Pinna Raspanti
Obrigada! O livro é muito interessante.