Nos anos 80 e 90, longe de prometer uma compensação à mulher, a busca da beleza parecia sublinhar sua frustração e impotência face à imagem ideal. Aprisionada às máquinas das academias de ginástica, ao “personal trainer”, às drogas anabolizantes, essa mulher se via como escrava da imagem de Barbies, Xuxas, Galisteus e outras artistas louras da época. Antes, é bom não esquecer, os modelos de beleza eram outros e quem dava as cartas eram as morenas curvilíneas. Nas capas de O Cruzeiro ou Realidade, eram o símbolo da sensualidade e da beleza feminina.
Em 1997, a indústria da ginástica movimentava dois bilhões de reais, administrava 15.000 academias no Brasil, os brasileiros compraram dez milhões de pares de tênis e o Brasil era o maior importador de aparelhos esportivos fabricados nos EUA, informava Veja numa matéria sobre “Corpos sarados”. A moda era dos exercícios aeróbicos: correr ou andar com passadas vigorosas fazia o sistema vascular entrar nos eixos. Para além da saúde, portanto, incentivava-se o chamado “trabalho de escultura muscular”, que, como já foi dito, modelava o corpo. “A televisão, o cinema e a publicidade descobriram as vantagens de trabalhar com atores e modelos torneados como estátuas gregas”. O fortalecimento do tônus muscular era fundamental, numa sociedade que se movia cada vez menos. O controle remoto, a escada rolante, o elevador, o carro envolviam o corpo numa camada fofa de gordura, que a partir dos 30 anos, tomava lentamente o lugar da massa muscular. Para quem detestasse academias, havia solução: o PT ou personal trainner atendendo a domicílio e cobrando por hora.
“A ginástica é hoje capaz de verdadeira ilusão de ótica”, dizia a matéria. A batalha era por “músculos certos, no lugar certo”. Porém, alertavam os professores: nada de milagres! “Um aluno depende 80% da genética”. Ninguém dormia gordo e flácido, para acordar magro e malhado. Para “malhar em casa”, aparelhos novos eram anunciados: esteiras e estações sofisticadas. “É inegável que as faixas afluentes da sociedade estão na neurose em relação à gordura. Diante da pressão social que exige corpos magros e firmes, as pessoas estão perdendo o direito de se abandonar aos prazeres da mesa e ao descanso da vida sedentária. Mas, descontado o exagero, essa tendência é positiva. No momento em que médicos recomendam controle da gordura, empregadores fogem dos obesos, para não mencionar parceiros amorosos, nada como entrar na malhação duas a três vezes por semana”, concluía a matéria.
Se adultos malhavam e se tornavam sarados, as crianças engordavam. A psicóloga Dirce de Sá Freire Costa revela que o aumento de crianças obesas já era alarmante. Sedentarismo, maus hábitos alimentares e incessante estímulo ao consumismo se uniam para fabricar mais e mais gordinhos. O “fast food” e a sedução do Mac Donald´s, refeições feitas fora de casa, tratavam de colaborar. Os dados fornecidos pela Organização Panamericana de Saúde já preocupavam – Costa explica. A partir dos anos 90, as crianças engordaram mais do que seus pais. Antes os homens obesos representavam 3% da população, as crianças o mesmo, e as mulheres 8%. No início do século XXI, os homens passaram a 7%, a população feminina a 13%, e as crianças a 15%. “O quadro é dramático, já que uma criança obesa tem 40 de chance de se tornar um adulto obeso. E o adolescente, 70%”, sobretudo os que ficavam mais de cinco horas na frente da TV.
A superexposição à propaganda de comida hipercalórica, anúncios comerciais de balas, doces, chocolates, refrigerantes e similares incentivavam hábitos doentios na vida privada e a “zoação”, na pública. O aumento da renda e o declínio da fome encheram os pratos, mas com comida errada. A diminuição das refeições compartilhadas em família assim como o seu comportamento diante dos alimentos é outro fator importante no histórico de desordens alimentares. Ou seja, a boa mesa feita de bons alimentos, boa companhia, feita de afeto em suma, fazia crianças mais saudáveis.
– Texto de Mary del Priore.