Uma jovem escrava, em 1835, no Vale do Paraíba, ousou dizer “não” para o seu senhor. O proprietário de Caetana, cativa com cerca de 17 anos, decidiu, obviamente sem consultá-la, que ela iria se casar com um outro escravo. E assim foi realizada a cerimônia:
“Com os bancos arrumados, ele aprontou o altar com os castiçais, de quatro palmos de altura, missal, sino e cálice, e vestiu os trajes sagrados sobre sua batina preta. Duas testemunhas estavam a postos, enquanto o noivo esperava à porta da capela. A jovem noiva que demorou a se vestir da melhor forma, finalmente se apresentou para a cerimônia. Dita a missa e dadas as bençãos matrimoniais, o padre partiu da fazenda e retornou à sua casa na vila”.
Caetana não queria se casar, tinha aversão ao matrimônio e ao noivo, mas obedeceu a ordem de seu senhor, em um primeiro momento. Entretanto, ela tomou coragem e simplesmente recusou o marido. Os homens da sua família queriam obrigá-la a ceder, assim como o dono da fazenda, o padre, outros escravos. Ela foi obstinada e manteve a negativa. O caso foi parar no tribunal eclesiástico.
A surpreendente trajetória de Caetana é a trama da primeira história do livro “Caetana diz não” (Companhia das Letras, 2005). Por meio de documentos, a autora Sandra Lauderdale Graham, nos mostra um pouco das complexas relações em uma sociedade patriarcal, formada por laços de apadrinhamento.
Na segunda narrativa, que se passa na mesma região, Dona Inácia, uma senhora solteira de família abastada, deixa em testamento uma propriedade para seus ex-escravos. Mas seu desejo não poderia ser cumprido, graças aos artifícios de seu testamenteiro.
Uma obra que ajuda a vislumbrar as ambiguidades da sociedade brasileira nos tempos da escravidão e as relações de poder. – Texto de Márcia Pinna Raspanti.
“Caetana diz não” (capa); acima “casamento de negros escravos em uma casa rica”, de Debret.
Em Sao Sebastiao, litoral norte paulista, ha muitos documentos manuscritos da 1a. Vara Civil, tb do Cartorial e eclesiastico que traz multiplas informaçoes sobre o cotidiano e relacionamento entre escravas/escravos e seus senhores. Sao Historias como esta da resistencia da escrava Caetana.
Muito bom saber disso Rosangela..Para nós historiadores então é sensacional