Os ares das fazendas onde ainda havia mineração associada à lavoura eram embalados por cantigas de trabalho dos escravos. Esses cantos eram chamados de “vissungos”. Alguns adaptados às fases de trabalho nas minas, outros parecendo cantos religiosos ajustados à ocasião. Em Curvelo, em Minas Gerais, Marianne North registrou imagens de um engenho, na segunda metade do século XIX:
“Uma parte do terreiro estava coberta com espigas de milho recém-colhidas, que os escravos debulhavam debaixo do lume de algumas fogueiras, alimentadas com a palha das cascas e o bagaço de cana-de-açúcar. Um homem puxava um tipo de canto monocórdio, que o resto acompanhava com uma série de uivos, não sendo exatamente o tipo de melodia negra que escutamos nas ruas de Londres” – estranhou a viajante, que não conhecia a beleza dos vissungos.
Conta-nos Aires da Mata Machado Filho que os negros no serviço cantavam o dia inteiro. Antes mesmo do nascer do sol, dirigiam-se à lua, em cantigas de evidente teor religioso. Pela manhã, entoavam um “Pade Nosso”, pedindo a Deus e Nossa Senhora que abençoassem seu trabalho e comida: “Otê! Pade Nosso cum Ave-Maria, securo câmera qui t´Anganamzambê, iô…”. A seguir, o cantador mestre acordava os companheiros: “Galo cantou, rê rê/ Cacariacou/ Cristo nasceu/ Galo já cantou”. À lua era pedido que “furasse o buraquinho do dia”: “Ai! Senhê!/ Ô…ô imbanda, combera ti, senhê”. Ao meio dia, o cantador avisava à mulher de serviço que o sol ia alto: era hora do almoço: “Andambi, ucumbi u atundá…? Sequerende…”.
Para ajuntar terras nos montes, apressar a marcha do cavalo, avisar o encontro de um diamante, falar “língua de branco”, enterrar os mortos, ironizar a mau alimento que lhes era servido, alertar sobre fogo nos campos, perseguir a caça no mato, fugir para os quilombos, lembrar os pais, pedir uma roupa nova, contra feitiços, enfim, para tudo, cantavam os cativos. Os vissungos eram parte importante do cotidiano das fazendas e sua música, marcavam o ritmo dos trabalhos e dos dias, informando sobre o que se passava. Fiandeiras, capinadores da roça e no mutirão de construções, outros cantos enchiam as serras mineiras. Cantava-se até para reclamar do frio: “Auê/Duro já foi senguê” ou pedir chuva: “Ongombe coi i pique”. – Texto de Mary del Priore.
“Colheita do café”, de Johann Moritz Rugendas.
Thank you! This article shows how good natured those people were.
They sung under duress… and forged our Country with bare hands and a song in their broken hearts.