Em 1559, o clitóris foi descrito pela primeira vez, por um médico, Renaldus Vespúcio. Como Adão, ele reclamou o direito de nomear o que tivera o privilégio de ver pela primeira vez e que era, segundo sua descrição, “a fonte do prazer feminino”. A descoberta, digerida com discrição nos meios científicos, não mudava a percepção que existia, há milênios, sobre a menoridade física da mulher. O clitóris não passava de um pênis miniaturado, capaz, tão somente, de uma curta ejaculação. Sua existência, apenas endossava a tese, comum entre médicos e estudiosos da física natural, de que as mulheres tinham as mesmas partes genitais que os homens só que “elas as possuíam no interior do corpo e não, no exterior”. O físico Galeno que, no século II de nossa era, esforçara-se por elaborar a mais poderosa doutrina de identidade dos órgãos de reprodução, empenhou-se com afinco em demonstrar que a mulher não passava, no fundo, de um homem a quem, a falta de calor vital – e portanto, de perfeição – conservara os órgãos escondidos. Nesta linhagem de idéias, a vagina era considerada um pênis interior, o útero, uma bolsa escrotal, os ovários, testículos e assim por diante. A linguagem consagrava essa ambígua visão da diferença sexual. Alberto o Grande, por exemplo, em seu De secretis mulierum, obra que teve enorme sucesso e múltiplas traduções, revelava que tanto o útero quanto o saco escrotal eram associados a mesma palavra de origem: “bolsa” “bursa” “bource”, purse”. Só que, no caso do órgão masculino, a palavra tinha também um significado social e econômico pois remetia à bolsa, lugar de congraçamento de comerciantes e banqueiros. Lugar, por conseguinte, de trocas e ação. No caso das mulheres, o útero, descrito como uma bolsa, era denominado “madre ou matriz” e associado ao lugar de produção: “as montanhas são matrizes de ouro”! Logo, espaço de espera, imobilidade e gestação. Prazer devia haver. Mas preocupação em atingir o orgasmo, nenhuma!
Os livros de medicina, só ao final do século XIX, abordam o assunto. Na Europa, se desenvolvera uma aritmética do coito, os homens contando e anotando em seus diários, o número de vezes em que faziam sexo com suas esposas. Esta contabilidade – que pode ter chegado aqui como mais uma moda emprestada – tinha por objetivo evitar que a mulher se tornasse carente, e também, dentro de certo espírito burguês, contornar os riscos do desperdício de sêmen. Era importante controlar a gestão do esperma. Nada de excessos. O medo do fiasco era total. Não faltavam teóricos a quantificar a capacidade anual de intercursos entre homens e mulheres. E tudo se misturando à valorização da vida espiritual que fazia do sexo, entre as mulheres, um verdadeiro sacrifício. A valorização extrema da virgindade feminina, a iniciação sexual pelo homem experiente, a responsabilidade imposta pela medicina ao esposo, fazendo dele o responsável pela iniciação sexual da esposa, mas de uma iniciação capaz ao mesmo tempo de evitar excessos, fazia parte do horizonte de ansiedade que os casais tinham que enfrentar.- Mary del Priore.
“Vênus”, de Urbino Vecellio (1538).
Muito bom. Quanto mais se vive, mais se aprende!