Por Mary del Priore.
O último volume da tetralogia Histórias da gente brasileira já está em fase de elaboração. Vou abordar o período de 1960 até 2.000, com um enfoque especial nos anos da Ditadura Militar. Para isso, gostaria de contar com a ajuda dos leitores do blog História Hoje.com (https://historiahoje.com). Estou em busca de relatos pessoais que mostrem como a população, em geral, vivenciou esse período. Peço que os leitores contribuam e dividam suas histórias comigo. Para isso, peço que respondam perguntas:
- Nos anos 60, você acreditava que o Brasil podia se tornar um país comunista? Você tinha medo do comunismo? Por quê?
- Quais as lembranças que você tem do governo militar?
Peço que os leitores contribuam e dividam suas histórias comigo. O texto deve ter cerca de 20 linhas, ou quanto você achar conveniente, e deve ser encaminhado para o e-mail [email protected]. Algumas dessas narrativas (não todas, infelizmente) farão parte do meu livro. Faremos uma seleção e verificação dessas histórias. Divido agora com vocês a minha experiência no dia do Golpe Militar e nos anos subsequentes:
“Lembro-me bem do dia 1 de abril de 1964, quando se deu um ‘golpe’ ou ‘uma revolução’, dependendo de que lado se estava. Estudava no Colégio Notre Dame de Sion, instituição francesa de ensino para meninas e moças de elite no Rio de Janeiro. Tinha onze anos quando, “ma Soeur” ou “ma Mére” – assim eram chamadas as freiras – quebrou o silêncio do refeitório para anunciar que estávamos todas dispensadas após o almoço. Finda a refeição, ouviu-se o arrastar das cadeiras, a oração em voz alta, e, sempre em silêncio, foi feita a fila para a saída, onde os carros particulares, pais e mães ou ônibus escolar escoavam as alunas. As mais velhas, primeiro, as menores, por último. Penso que poucas sabiam por que razão voltavam mais cedo para casa.
Durante muitos anos, viver sob um governo militar não mudou absolutamente minha rotina: colégio, aulas particulares de desenho, piano e violão. Somente aos 14 anos tive meu primeiro namorado. Seu pai era um conhecido deputado da UDN e sua irmã, saberíamos muito depois, uma das ‘terroristas’ que sequestrou o embaixador americano Charles Elbrick. Aos domingos, eu almoçava regularmente com a família num ambiente de sofisticação intelectual, onde se falava de cinema, livros, artes, balé. Nunca, política. Aos 16 anos fui enviada para um colégio interno na Suíça. Ao voltar, encontrei a melhor amiga, noiva, e casamento se tornou assunto obrigatório. Mas se a amiga passara de senhorita à senhora, a vida no Rio continuava, aos meus olhos, igual. Festas, Copa do Mundo, música dos Beatles e Rolling Stones, festivais de cinema patrocinados pelo Jornal do Brasil, praia em frente ao clube. Preparei-me para o vestibular de história, matéria de que mais gostava. Numa universidade pública? Nem pensar. Meus pais não admitiam. Fui de um colégio de freiras para uma universidade de freiras: a Santa Úrsula. Durou pouco, um ano depois abandonei o curso pois, casei como tantas moças de minha geração. E tive filhos, como tantas outras. Ninguém falava em formação profissional ou emprego. Dinheiro não se discutia e era ‘assunto de homem’. A Ditadura era um governo como qualquer outro.”
Confira a mensagem da autora:
Minha infância e parte da juventude foi passada em pleno regime militar. Que época boa e segura! Impossível não relembrar de tudo o que vivi, a vida sossegada — embora minha família fosse pobre — em um bairro simples, as brincadeiras na rua, em frente à minha casa! Não se ouvia falar em roubos, assaltos, homicídios. Isso era raríssimo!
Eu tinha 8 ou 9 anos e minha mãe pedia que eu e meu primo de 10 anos fôssemos vender salgados que ela fazia, nas casas próximas… É possível isso hoje em dia, no “Brasil democratiquíssimo” do PT-PSDB-PMDB? É possível duas crianças saírem de casa com uma cesta de quitutes e venderem, andarem pelos bairros e não serem assaltadas, atacadas, estupradas hoje em dia??? IMPOSSÍVEL.
Outra coisa que relembro saudosamente, é que eu e minha mãe íamos à igreja, no centro da cidade e por volta das vinte horas. Noite. Nada de maloqueiros e bandidos. Nada de drogados. Nada da assaltantes.
Ah, e não falei das escolas: Eu amava minhas professoras de Português, História e Moral e Cívica. Também havia uma biblioteca com livros bons, não se ensinava ideologias políticas, apenas — sociedade e história da política.
Época maravilhosa. Que saudades!
A Reserva Moral do Brasil.
Ao completar 18 anos, em 1973, obrigado pela lei a prestar o serviço militar obrigatório, me alistei no exército e servi na 1° Cia de Guardas, de Porto Alegre.
Fui obrigado ? Sim fui ! Fui contrariado ? Sim. Também fui.
Depois de um ano, tive a opção de ficar ou de ir embora. Fui embora chorando mais do que chorei no dia que entrei.
Os jovens de 18 anos, que prestam serviço militar aprendem na prática valores como, disciplina, hierarquia , bons modos no trato com as pessoas mas fundamentalmente : Senso de responsabilidade.
Para alguns jovens, é um reforço de valores recebidos em casa, para muitos, é o primeiro contato com regras, valores e principalmente, limites, independente de classe social. No quartel não tem rico nem pobre, branco ou preto. Todos são verdes !
Dentre os conceitos ensinados, um era “batido” todos dias :
Amor à pátria.
Os militares me fizeram uma “lavagem cerebral” que até hoje carrego comigo seqüelas deste “trauma” que é :
Amar o meu país.
Durante o ano que estive na caserna, nunca ouvi nenhum profissional militar promover ou mesmo falar em ódio, morte à comunistas ou coisa parecida. Ensinavam e ensinam até hoje, deveres, comprometimento, senso de responsabilidade, espírito de sacrifício, lealdade e honestidade.
Realmente a elite militar era sim, bem “pudica” e não permitia palavrões nos rádios, TV s e jornais. A exemplo disto , a palavra “ bunda” não podia ser pronunciada, muito menos escrita.
Discutia-se na rua e nos bares a tamanha falta de liberdade ! Depois todos voltavam muitas vezes a pé para suas casas em plena madrugada das grande cidades. Hoje conquistamos o direito de dizer e ouvir “bunda” nos meios de comunicação, só não podemos mais é sair à noite.
As intervenções militares no Brasil tem uma característica: O poder sempre é devolvido aos civis, sem força. Foi assim em 1894, 1945 e não foi diferente em 1985.
A grande diferença entre os militares de outros funcionários públicos, é que nas instituições militares historicamente conservam-se normas de conduta e valores das quais a instituição não arreda o pé. São imutáveis no tempo e muito bem protegidas, desde a criação do Exército e da Marinha do Brasil. São nossa única reserva moral.
Solidariedade e espírito de sacrifício são a base do civismo e amor à nação. Estes são valores militares praticam e ensinam como ninguém ! Ficou em dúvida ? Pergunte a um reservista !
Caro Rogério, peço a gentileza de você encaminhar seu depoimento por email: [email protected] .
Obrigada!
Lembro do medo que tinha dos militares. Bandeira e hino na escola. A professora de história que não respondia minhas perguntas. Meu pai, que trabalhava no jornal O Estado de São Paulo, embora não fosse jornalista, trazia relatos de reporteres desaparecidos e torturados. Eu só queria que tudo aquilo acabasse. Acabei virando jornalista. Mas já era outra época 1988 e eu era ninguém. Hoje sou professora e sindicalista.
Enquanto Discente em Ciências Sociais, os textos nos dão várias indicações do estado de pânico, em viveu a sociedade civil brasileira. Aquele regime autoritário, causou prejuízos irreparáveis e algumas consequências, tais como a violência empregada nas periferias dos centros urbanos brasileiro, contra jovens preto e pobre, contra a mulher, certamente é reflexo de um passado não desejado social e politicamente. O comentário da professora, jornalista e sindicalista Claudia Boyago Piore, sintetiza muito bem o que foi aquele indesejavel regime.
Bom dia, Cláudia. Por favor, mande seu depoimento para o email [email protected] . Obrigada!