Por Felipe Rissato
Especial para o HistóriaHoje.com
Em dezembro de 2016, o nº 89 da Revista Brasileira, publicação trimestral da Academia Brasileira de Letras, divulgava o ensaio “Iconografia fotográfica de Machado de Assis” (que pode ser consultado neste link: Revista Brasileira 89 ) do pesquisador independente Felipe Pereira Rissato, consolidando a referência imagética do autor de Dom Casmurro em 38 imagens.
Decorridos 18 meses, o ensaio já está defasado, visto que o mesmo pesquisador encontrou, em um periódico argentino, uma 39ª fotografia de Machado de Assis, cuja raridade dá ainda maior valor à descoberta, sobretudo por ter sido, provavelmente, a última feita em vida do grande escritor. Anteriormente, esse posto pertencia a uma famosa imagem do renomado fotógrafo Augusto Malta, na qual é possível ver apenas a parte de trás da cabeça de Machado, sendo acudido em um dos bancos da Praça XV, no cais Pharoux, Rio de Janeiro, depois de ter sofrido um ataque epilético enquanto aguardava a chegada do político francês Paul Doumer, em 1º de setembro de 1907 (mais de um ano, portanto, antes de sua morte, ocorrida a 29 de setembro do ano seguinte).
Felipe, que já encontrou textos desconhecidos de Euclides da Cunha, Lima Barreto e Machado de Assis, bem como outras fotografias desses baluartes da nossa literatura, teve o acaso como principal aliado em sua nova descoberta. Ao ler o livro Memórias, estas minhas reminiscências (1937), do diplomata Oliveira Lima, verificou que o Barão do Rio Branco exibira a Euclides da Cunha, seu auxiliar no Ministério das Relações Exteriores, um exemplar da revista argentina Caras y Caretas, muito desgostoso com uma caricatura sua ali publicada, que o retratava muito “gordo”. Pesquisando por edições online da revista, atrás das caricaturas de Rio Branco ali estampadas, Felipe teve a sorte de encontrar a coleção completa do periódico na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España. De fato, a busca foi frutífera, tendo encontrado quatro caricaturas do chanceler brasileiro, dentre as quais, certamente a que foi mostrada a Euclides. Uma das caricaturas está na capa da edição nº 486 da revista portenha, publicada em 25 de janeiro de 1908. Passando a “folhear” online o referido exemplar, Felipe deparou-se com a fotografia “perdida” de Machado, inserida na matéria “Hombres públicos del Brasil”, apenas seguida da legenda “presidente de la Academia de la Lengua Brasileña”, sem indicar a ocasião em que foi feita.
De imediato, soube tratar-se de fotografia jamais referenciada na bibliografia do bruxo do Cosme Velho. A princípio, cogitou pertencer ao almoço oferecido pelo então prefeito Pereira Passos, do Rio, ao ministro plenipotenciário da Colômbia, Rafael Uribe, em 8 de setembro de 1906, no qual, em outras fotografias, Machado aparece rodeado por amigos e pessoas gradas da elite carioca, em um jardim. Mas, além da imagem ora encontrada exibir um Machado um pouco mais velho e mais debilitado, o escritor usou gravadas diferentes, tanto naquele almoço, quanto na ocasião em que foi tomada essa imagem mais recente.
Machado, como homem público, frequentava com assiduidade os banquetes realizados no Rio de Janeiro. A revista Caras y Caretas, cuja periodicidade era semanal, dificilmente publicaria uma fotografia não contemporânea; um exemplo disso, é a imagem publicada ao lado da de Machado, em que aparece o engenheiro Paulo de Frontin. A revista, aí, indicou que a fotografia foi tomada quando este retornava da Europa, onde esteve em viagem. Felipe verificou que o retorno do engenheiro se deu a 9 de dezembro de 1907, ou seja, mês e meio antes da revista publicar a foto. Assim, é crível que a fotografia de Machado tenha sido feita entre outubro de 1907 e janeiro de 1908. Nesse ínterim, Machado esteve comprovadamente em pelo menos três eventos importantes onde pode ter posado para as lentes do fotógrafo anônimo: o banquete oferecido pela ABL ao historiador italiano Guglielmo Ferrero em 31 de outubro de 1907; o almoço oferecido pela Câmara dos Deputados aos políticos Carlos Peixoto e James Darcy em 29 de dezembro de 1907 e o banquete oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores à esquadra da Marinha norte-americana em 20 de janeiro de 1908, este último ocorrido cinco dias antes da publicação do nº 486 de Caras y Caretas, oito meses antes da morte de Machado.
Como dito anteriormente, a importância dessa descoberta, além de ampliar as referências iconográficas de um dos maiores dos nossos escritores, traz a público uma imagem ainda mais próxima ao seu desaparecimento e, pela primeira vez, de corpo inteiro, sozinho e em pé! Sozinho e de corpo inteiro, Machado só havia sido registrado pelas lentes de Insley Pacheco, em 1864 aos 25 anos, mas, sentado! Já nas fotografias em que aparece de corpo inteiro e em pé, nunca estava sozinho! Esta é, provavelmente, a peculiaridade mais interessante dessa sua 39ª fotografia.
Felipe tem duas teorias para indicar o porquê de não ter sido, anteriormente, encontrada e divulgada essa imagem: a publicação em revista estrangeira. Isso igualmente se deu com uma fotografia de Machado publicada em 1900 na revista Brasil-Portugal, editada em Lisboa, redescoberta por Felipe em 2016. Porém, o pesquisador também encontrou a única fotografia do escritor presidindo uma sessão da ABL, em 1905, estampada na época por uma publicação brasileira, Leitura para Todos, e igualmente ignorada até 2016. Nesse caso, a teoria é que os pesquisadores geralmente buscam por imagens em revistas mais conhecidas: O Malho, Renascença, Kosmos, Revista da Semana, A Ilustração Brasileira, preterindo outros títulos. Não entram nessa listagem as ainda mais famosas: Fon-Fon e Careta, pois em 1905 ainda não circulavam.