PATRIMÔNIO EM RISCO: NOSSOS CASARÕES ABANDONADOS

Por Natania Nogueira.

     A foto abaixo foi registrada em janeiro do ano corrente, na Estrada de Benfica, em Lisboa (Portugal). Na proteção de metal está escrita a frase “Deixar ruir o que não podem demolir?”, um protesto contra o abandono de um conjunto arquitetônico de valor histórico, cuja reforma foi iniciada e interrompida.

     O abandono de edifícios antigos é uma realidade em várias partes do mundo e uma das causas da perda de parte do patrimônio histórico, mesmo daquele que passou pelo processo de tombamento e que em tese deveria ser preservado para o interesse maior da comunidade à qual pertence. Mesmo em países nos quais existem leis mais rígidas para preservação do patrimônio isso acontece com maior frequência do que se imagina.

     No Brasil, também vivemos o drama de perder a cada dia nosso patrimônio arquitetônico. Em todas as regiões do país, construções históricas estão sendo demolidas devido ao abandono por parte de seus donos ou mesmo pela negligência do poder público. Os exemplos estão em todos os lugares, tanto nas grandes cidades, quanto nas pequenas.

     Em Salvador, segundo dados recentes, 409 casarões antigos correm risco de desabamento, sendo que em 60% deles, segundo a Defesa Civil de Salvador (Codesal), este risco é muito elevado[1]. Em São Luiz do Maranhão, a Secretaria de Segurança pública identificou 31 imóveis em risco de desabar no Centro Histórico da cidade em 2014 e a situação atual não é muito animadora. [2] No Rio de Janeiro ruas inteiras próximas às áreas revitalizadas por ocasião das Olimpíadas de 2016, estão à beira do desabamento. Uma arquitetura que remete ao século XIX e início do século XX.

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     Não é preciso um estudo técnico apurado para identificar edifícios antigos em risco de desabamento. Basta um pequeno passeio pelo centro antigo de qualquer cidade para encontrar casarões abandonados, usados como abrigo provisório por pessoas desabrigadas ou usuários de drogas, fazendo muitas vezes papel de “lixão”, no centro de uma cidade.

     Morando em uma cidade pequena, já assisti à demolição de prédios antigos, do século XIX, Alguns mais novos, do início do século XX, que ainda não foram demolidos, estão em estado de total abandono. No lugar daqueles que foram derrubados, constroem-se edifícios com vários andares que destoam  do conjunto arquitetônico original, descaracterizando o centro antigo da cidade, que vai perdendo sua identidade e seus lugares de memória.

     Essas construções são abandonados, algumas vezes por não haver interesse dos herdeiros em investir na manutenção do edifício, outras justamente por não haver capital para realizar a manutenção. O abandono pode ainda ser intencional, pois, sob risco de desabamento, o dono tem duas opções: ou reforma ou demole. A demolição em caso de patrimônio tombado é proibida, mas neste caso o poder público pode interferir e ordenar que o prédio seja derrubado caso haja perigo para a comunidade. O terreno é então vendido por um valor significativo, dependendo da sua localização.

      A jornalista Valquíria Lopes, em 2014, denunciou em uma reportagem a demolição de imóveis tombados na cidade histórica de Ouro Preto por falta de manutenção de seus proprietários [3]. Segundo a reportagem, os herdeiros destes imóveis alegam não terem recursos para as obras necessárias nos prédios do século XVIII que, com a possibilidade de desabamento, acabam tendo sua destruição autorizada pela justiça.

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     A falta de recursos, o desinteresse dos proprietários em investir na restauração e a ausência de uma ação efetiva de educação patrimonial, que desperte na comunidade o apego pela sua história e pelos bens que a representam materialmente, são algumas das razões para o desaparecimento gradativo do nosso patrimônio arquitetônico.

     Por que,  para que e para quem preservar estes bens? Quando não há resposta imediata para estas perguntas, não há razão para a preservação. Mas quando se reconhece o valor do monumento, a história é diferente. Se o imóvel tem significado para a comunidade, temos a mobilização da sociedade civil e ele pode ser salvo pela municipalidade. Foi o que aconteceu em Leopoldina (MG) com a casa onde viveu o poeta paraibano Augusto dos Anjos adquirida pelo município e transformada em museu.

      Em outro caso, em Ribeirão Preto (SP), houve a intervenção da iniciativa privada na recuperação do  Palacete Jorge Lobato [4],após décadas de abandono. Sob o risco de demolição, o imóvel foi adquirido por um jovem engenheiro civil e sua irmã, arquiteta [5], que revitalizaram o espaço, que estava prestes da deixar de existir.

     No Rio de Janeiro, casarões antigos e abandonados estão sendo transformados em habitações modernas[6]. Um exemplo de como preservar pode ser um bom negócio. Este processo é chamado de retrofit, que tem por objetivo melhorar um espaço e dar a ele uma nova finalidade. Um destino bem melhor do que o das dezenas de monumentos, museus, igrejas e casarões que foram fechados, abandonados ou vandalizados no Rio de Janeiro nos últimos anos. [7]

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       Preservar pode ser o caminho mais difícil, mas pode significar uma forma de empreendedorismo por parte da iniciativa privada e de tomada de consciência por parte da comunidade, que reconhece em um edifício, um chafariz, uma ponte ou mesmo uma praça, algo que remeta às suas memórias coletivas e individuais. Em tempos de pensamento neoliberal, torna-se difícil argumentar em prol da preservação. Para quem acredita que tudo deve ser tratado como uma empresa, enxergar o “lucro” em um centro cultural ou em um museu pode ser difícil, enquanto demolir e capitalizar o terreno, muito tentador.

 – Texto de Natania Nogueira.

 

NOTAS:

[1]SERPA, Dagmar. Salvador mapeia 409 casarões com risco de desabamento. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/blog/bahia/salvador-mapeia-409-casaroes-com-risco-de-desabamento/>. Acesso em 09 dez. 2018.

[2] Trinta e um prédios podem desabar no Centro Histórico de São Luís. Disponível em: <http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2013/10/trinta-e-um-predios-podem-desabar-no-centro-historico-de-sao-luis.html>. Acesso em: 10 dez. 2018.

[3] LOPES, Valquíria. Donos de prédios tombados não preservam o bem histórico; Ministério Público quer punição. Disponível em: < https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/11/30/interna_gerais,594922/a-agonia-do-patrimonio.shtml>. Acesso em 09 dez. 2018.

[4] MARTINS, Regis. Após décadas abandonado, casarão histórico é recuperado no interior de SP. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/apos-decadas-abandonado-casarao-historico-e-recuperado-no-interior-de-sp.shtml>. Acesso em 09 dez. 2018.

[5] MARCHADO, Fernando. Restauração de palacete em Ribeirão resgata esplendor da década de 1920. Disponível em: < http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2015/06/restauracao-de-palacete-em-ribeirao-resgata-esplendor-da-decada-de-1920.html>. Acesso em: 10 dez. 2018.

[6] LACERDA, Alice. Casarões abandonados viram apartamentos (super modernos!) no centro do Rio. Disponível em: < http://www.virgula.com.br/comportamento/casaroes-abandonados-viram-apartamentos-super-modernos-no-centro-do-rio/>. Acesso em: 10 dez. 2018.

[7] MELLO, Cláudio Prado de. Principais bens históricos abandonados ou fechados no rio de janeiro. < http://urbecarioca.com.br/2017/11/principais-bens-historicos-abandonados-ou-fechados-no-rio-de-janeiro-de-claudio-prado-de-mello.html>. Acesso em 10 dez. 2018.

 

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  1. Luis Carlos da Silva Sampaio

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