Babás, enfermeiras e amas de leite

Para fixar as mães em casa, a guerra contra “amas ignorantes” e nurses foi declarada. As segundas, em geral europeias, vestidas de branco, vieram substituir as tradicionais amas de leite que acalentaram e amamentaram brasileiros por centenas de anos. A educadora Ina von Binzer, em carta a uma amiga, lhes fez o retrato, em 1881:

 “Eu estava à procura de uma ama de leite. Você sabe o que se faz nesse caso: toma-se o Jornal do Comércio e procura-se numa das colunas da quarta página. Vi anunciadas negras, mulatas e pardas […] Perto de minha casa havia uma espécie de maternidade, de uma parteira francesa; recebia como pensionistas escravas, fazia o parto, cuidava delas e se encarregava de alugá-las, de separá-las dos filhos, operações muito desagradáveis para os senhores e pelas quais era fartamente recompensada. Nesse dia, ela anunciara uma ama de leite; fui a casa dela e expliquei a razão de minha visita; era uma matrona refinada, que não se intimidava facilmente”.

Gritou para o fundo do jardim: “Rose! Rose! Venha cá!”. Rose apareceu […]. “Chegue aqui, minha filha”, disse a parteira em tom carinhoso; “Você pode dizer que tem sorte. O senhor aqui precisa de uma ama e veio buscar você. Você vai para uma boa casa, com um belo jardim, todos os vestidos da senhora, alimenta o menino branco, lindo como um anjo e ainda recebe presente, dinheiro! Que beleza!.

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Após um momento de silêncio, a pobre moça, se armando de coragem, respondeu energicamente: “E meu filho, que vai ser dele? Vou abandoná-lo?”. “Vamos! Vamos! Não comece a criar caso agora, com seu filho; você sabe muito bem que o senhor tomará conta dele, que vai enviá-lo para o campo onde nada faltará”.

O filho da escrava iria mesmo para o campo ou acabaria nas páginas de jornal: “dá-se uma criança preta para criar de leite” ou “vende-se uma cria preta muito linda, própria para dar de presente”. As mães negras, ou “mães de leite”, alimentavam as crianças brancas. “Só as estrangeiras alimentam seus filhos”, estranhava o viajante francês Louis de Freycinet. Europeus anotavam chocados ou o “luxo insolente” das amas bem remuneradas, ou o sofrimento das que eram obrigadas a deixar os filhos. Muitas ganhavam a liberdade como prêmio pela sobrevivência de ioiôs e iaiás. A amamentação sempre foi também um meio de vida para mulheres pobres, na Europa ou no Brasil, enquanto as mulheres de elite se revezavam em torno de fórmulas para conservar a beleza dos seios.

Nos primeiros anos da República, a ama-seca era destinada a cuidar exclusivamente das crianças, vigiando-as e brincando com elas, além de dar banho, vesti-las e alimentá-las. Contratavam-se para esse serviço mulheres muito jovens, como se vê nos anúncios de jornal da então capital, Rio de Janeiro: “Precisa-se de uma menina, de 12 a 15 anos, para ama-seca em casa de pequena família, na Rua Dezenove de Fevereiro, Botafogo”.

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Ainda hoje, uma das formas de trabalho infantil mais usada é o emprego de meninas pobres em casas de família, para fazer serviços domésticos e cuidar de pequenos. Em lares pobres e na ausência de creches, meninas mais velhas cuidam dos irmãos menores, para que as mães possam trabalhar. Indagada por uma pedagoga, uma delas respondeu que preferia brincar de boneca. “Elas, pelo menos, não se sujam”, explicou.

– Mary del Priore.

amams

Negra com uma criança branca nas costas, Bahia, 1870. (Acervo Instituto Moreira Salles).

 

 

 

3 Comentários

  1. Maria de Fátima dos Santos
    • Márcia
  2. Maria Helena Oliveira

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