O calor destes últimos dias me fez lembrar de um acessório pouco usado hoje em dia, mas que já fez parte do figurino das damas de antigamente: o leque. Além de ser muito útil nos dias de temperaturas elevadas, era sinônimo de sensualidade, sendo indispensável nos salões e bailes da sociedade. Até Machado de Assis se rendeu aos encantos do leque, mostrando-nos como funcionavam os jogos de sedução daqueles tempos.
Houve um tempo em que o leque era item obrigatório de elegância e sensualidade. A partir do século XV, o leque ganhou a forma que conhecemos e tornou-se cada vez mais popular entre a aristocracia da Europa. No auge da vida cortesã, entre os séculos XVII e XIX, havia uma espécie de “linguagem do leque” da qual as damas faziam uso nos teatros, festas, cerimônias, passeios, missas e outras reuniões sociais. A forma de segurar o acessório podia transmitir os sentimentos e desejos da mulher, como constrangimento, sedução, timidez, recato, ousadia. Era uma maneira pela qual as mulheres podiam se expressar, em tempos em que o sexo feminino era considerado inferior e perigoso (as filhas de Eva sempre atormentaram a mente dos religiosos e moralistas).
O leque teve vida longa na moda, inclusive no Brasil. No início do século passado, ainda era parte das indumentárias mas chics. Folheando “O Espelho – revista semanal de literatura, modas, indústria e artes”, que circulou de 1859 a 1860, no Rio de Janeiro, encontrei um texto de Machado de Assis sobre o leque. O escritor tinha um espaço na publicação destinado à sua crítica teatral, mas, dedicou algumas linhas ao papel importante que este acessório desempenhava nas salas de exibição teatral. O assunto da crônica era a estreia de “A Honra de uma Família”, em um domingo quente. Vejamos:
“É uma bela invenção o leque. É uma qualidade de mais que a arte consagrou à mulher. Meu Deus! Que tem feito o leque no mundo! Muitos romances nesta vida começam pelo leque, a tranquilidade de um esposo ou de um pai tem nascido muitas vezes do manejo calculado de um leque.
Mas, também é um arte o estudo de abrir e fechar este semi-circulo dos salões e dos theatros. Um bom physiologista conhece o caracter mais impenetravel pelo modo de agitar o leque. Sou realmente capaz de apostar, diz Mme. de Sevigné, que em todos os atractivos da mulher mais elegante e casquilha, não há atavios de que ela possa tirar partido como o leque”.
E Machado de Assis continua com sua ironia fina e inteligente, lembrando que Mme. Sevigné, a predileta amante do rei Luiz, “a mais formosa das constelações de Versailles”, entendia mesmo do assunto – sedução e leques – representando para ele (autor), um “verdadeiro oráculo”. O escritor deixa escapar nas entrelinhas que o acessório é uma poderosa arma para as mulheres dissimularem suas intenções e conseguirem enganar os representantes do sexo masculino. Escrevendo para um público majoritariamente feminino – pelo menos, é o que os próprios cronistas do semanário acreditavam – Machado de Assis faz um texto ambíguo, louvando as graças femininas e, o mesmo tempo, mostrando-se cauteloso quanto às artimanhas das mulheres. Tudo isso, sem perder a elegância. – Márcia Pinna Raspanti
*O leque existe desde a Antiguidade, tendo origem provavelmente na China. Não há certezas quanto ao exato período da sua criação. Ainda hoje, encontramos diversos registros do seu uso entre as civilizações antigas, como Egito e Roma.
Damas francesas do século XVIII, com seus leques.
Leque,meu companheiro que esta sempre junto de mim,nao vivo sem ele!