Um anúncio na televisão: dentro da banheira cheia de pétalas, a atriz sorri. O colo nu desponta na água como uma haste. Da haste, pendem dois globos. Sólidos, opacos. Exatamente como os que são vendidos nas lojas de lustres e afins. Anúncio de lâmpadas? Não. De creme hidratante. A atriz acaba de fazer sua enésima cirurgia plástica. Trocou o tamanho dos seios como a média das mortais troca de penteado. Na sua esteira, as plásticas de mama, triplicaram. Tantas querem ter os seios da atriz e, consequentemente, sorrir como ela e ser feliz como ela será ao fim da novela! Como dizem os antropólogos: o assunto é bom para pensar…
Na mídia dos anos 1960, as imagens que enterneciam eram bem outras. A mãe com o filho ao seio, por exemplo. A promoção do aleitamento materno era constante, enquanto descobertas na área de saúde pública, psicologia e dietética infantil incentivavam o mais saudável e amoroso dos hábitos. Curiosamente, o feminismo e o naturismo do movimento hippie colaboravam para cristalizar as manifestações públicas de uma reivindicação que consagrava tanto a liberdade das mulheres em expor seus seios quanto as necessidades sensuais e afetivas dos recém-nascidos. A linguagem progressista coabitava com o mais tradicional dos papéis femininos: ser mãe. Contestação e tradição se davam as mãos. O movimento de liberação sexual remodelava a consciência de feminilidade e da maternidade. Esta era vivida com orgulho. Portava-se a barriga como um emblema. Leila Diniz despiu a sua e a exibiu, vaidosa, aos fotógrafos e ao sol de Ipanema. Todo o corpo feminino mostrava-se ativo, manifestando um extraordinário poder.
O que mudou? Nos anos 1970, desembarcam no Brasil as primeiras bonecas Barbie, possuidoras de seios de globo. Chegavam também numerosas máquinas e técnicas do corpo, instrumentos de um verdadeiro marketing de vivências corporais: o body business. Na sociedade de abundância industrial, o corpo tinha uma nova tarefa: ser consumidor. E pior, consumidor em cada uma das suas partes individualizadas. Para as unhas, esmaltes; para os cabelos, xampus; para o corpo, sabonetes e cremes; para o resto, academias de ginástica, aparelhos comprados pelo shop time, cirurgia plástica em dez prestações facilitadas, tudo prometendo beleza para todas!
É incrível como esse modelo deixou o outro para trás. O narcisismo, a preocupação com a manutenção e a apresentação do corpo desenham, hoje, o que estudiosos chamam de “uma nova naturalidade corporal”. Não é mais o conjunto do corpo feminino que emana poder, mas cada parte dele. Os seios globulosos, por exemplo, ou tudo aquilo que se pode “malhar” individualmente nas academias com aparelhos que desconectam as diferentes partes: nádegas, panturrilhas, coxas. Essa partição, ao contrário de exaltar o sensualismo ou o contato com a natureza, como ocorria nos anos 1960, levou a uma aproximação mórbida com o organismo. O que não está bom é descartado, trocado, substituído como peça velha e sem uso. É bom começar a pensar o quanto ganharemos nesse jogo, enquanto substituímos o seio nutriz, signo da relação fusional entre mãe e filho, o real papel de doadoras, por aquele artificial, substituível e virtual do globo da novela…- Mary del Priore
“La Maja Desnuda”, de Goya