Não se ensina – e nem se aprende – apenas na sala de aula

 Por Natania Nogueira.

     Recentemente, tomei conhecimento sobre uma polêmica envolvendo projetos e atividades lúdicas desenvolvidas nas escolas, em que a comunidade participa e os alunos confraternizam e se divertem. Aparentemente, esses projetos não são considerados ações escolares legítimas e não podem ser computados como atividade letiva, pois não envolvem as quatro paredes de uma sala de aula.

    Eu questiono este tipo de postura. Se os professores trabalham, se os alunos participam e se conseguimos até trazer para a escola, ou mesmo levar para espaços fora dela, a comunidade local (responsáveis, parentes, vizinhos) como não podemos considerar uma atividade escolar? Como negar o valor formativo agregado a atividades lúdicas?

    Quando falamos de currículo, estamos abrindo um leque de possibilidades: além daquilo que está explícito, temos o currículo oculto, que não está descrito, mas está presente nas atividades propostas, contemplando os processos de formação e transparecendo a própria filosofia da escola, sua missão e as características da comunidade escolar, como uma identidade desta. Também é preciso considerar os chamados conteúdos transversais, que são os temas que entrecortam o currículo, perpassando as diversas disciplinas. Essa concepção ampliada de currículo e prática pedagógica contemplam os quatro pilares da educação para o século XXI, defendidos por Jacques Delors: “aprender a conhecer; aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser”.

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    Vivemos em uma sociedade marcada pelo multiculturalismo em que o conceito de ensino é tão amplo que não pode ser simplificado pelo ato de estar numa sala de aula com um professor, um livro e um caderno. No século XXI, não podemos virar as costas para este interculturalismo, e é necessário adaptar a escola a esta realidade multicultural na qual vivemos e na qual forjamos nossa identidade.

    Educar, ensinar e formar são ações que têm por objetivo uma aprendizagem significativa. Os projetos implementados nas escolas existem para isso, para amparar a prática docente e alcançar esse objetivo.  Foi-se o tempo em que a escola tinha por função apenas a mediação do conhecimento sistemático e científico acumulado ao longo da história.

    A escola possui hoje uma função social muito mais ampla, complementando, inclusive, a educação familiar. Não obstante, profissionais do ensino se veem atuando junto às famílias para ajudar a solucionar problemas que não estão diretamente relacionados ao ensino, mas que, de alguma forma, impedem os estudantes de encontrar o êxito escolar. Dependendo da realidade escolar de cada região, de cada localidade, ela se torna o suporte de toda uma comunidade.

    A escola se tornou um termômetro social, um ambiente onde o estudante encontra muito mais do que o conhecimento sistematizado. A escola forma pessoas e cidadãos que possuem necessidade de se expressar, de interagir e socializar. E esta socialização contribui para a própria aquisição do saber científico sistematizado.

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    Alunos envolvidos em atividades lúdicas não apenas adquirem habilidades que serão úteis na sua trajetória pessoal e profissional. Eles também se tornam mais propensos a valorizar o que aprendem na sala de aula. A escola deve ser acolhedora, em tempos em que nossos estudantes, e mesmo seus familiares, estão carentes não apenas no aspecto material, mas também no aspecto psicológico.

   A escola no Brasil é também um espaço de resistência, que resiste há décadas a reformas do ensino e a políticas públicas desastrosas que sucateiam a educação escolar, que colocam o professor numa posição subalterna, humilhado por baixos salários, rotulado como subversivo e desvalorizado na sua profissão. A escola é alvo daqueles que pregam o ódio e a intolerância e se tornou no refúgio de quem é vítima deste mesmo ódio e desta mesma intolerância. Os ataques dirigidos à escola, aos professores e às práticas pedagógicas que ultrapassam a sala de aula são tentativas de romper a única barreira que protege a liberdade criativa e de pensamento do autoritarismo que assombra e ameaça não apenas nosso país, mas todo o mundo ocidental.

 

Sugestões de leitura:

AKKARI, Abdeljalil. Introdução às perspectivas interculturais em educação. Salvador – EDUFBA, 2010.

DELORS, Jacques (org.). Educação um tesouro a descobrir – Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Editora Cortez, 1999.

UNSCO. Educação, um tesouro a descobrir. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590por.pdf, acesso em 17 jun. 2017.

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UNESCO. Educação um tesouro a descobrir. Disponível em: http://ftp.infoeuropa.eurocid.pt/database/000046001-000047000/000046258.pdf, acesso em 17 jun. 2017.

 

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