A infância, no passado,tinha aspectos mais práticos e menos teóricos. O mais importante deles era, sem dúvida, o relacionamento afetivo entre pais e filhos. Observado por vários viajantes, ele era considerado excessivo:
“O carinho dos pais pelos filhos, enquanto pequenos chega a não ter limites, e é principalmente o pai quem se ocupa com eles, quando tem um minuto livre. Ama-os até a fraqueza e, até certa idade, atura as suas más criações. Não há nada que mais o moleste do que ver alguém corrigir seu filho. Quando marido e mulher saem de casa, seja para visitarem uma família, seja para irem a alguma festa, levam consigo todos os filhos, com suas respectivas amas, e é ainda o pai quem carrega com todo o trabalho, agarrando-se-lhe os pequenos ao pescoço, às mãos, ás abas do casaco”.Mas “estremecer sobre os filhos, contar estórias, graças, acalentá-los”, como dizia – se, no século XVIII, era considerado coisa de mulher: “Não é coisa pertinente a um homem ser ama nem berço de seus filhos” resmungava o médico Francisco de Melo Franco em 1790.
O amor materno, por seu turno, deixou marcas indeléveis nos testamentos de época. Não havia mãe que ao morrer não implorasse às irmãs, comadres e avós, que “olhassem” por seus filhinhos, dando-lhes “estado”, ensinando-lhes “a ler, escrever e contar” ou “a coser e lavar”. A expressão “amor materno” pontua vários destes documentos, revelando a que ponto as mães, no momento da despedida, não tinham os corações carregados de apreensão, temerosas do destino dos seus dependentes.
A ama negra, como lembra Gilberto Freyre, deu também sua contribuição para enternecer as relações entre o mundo adulto e o infantil. Criou uma linguagem na qual se reduplicavam as sílabas tônicas dando às palavras pronunciadas um especial encanto: dodói, cacá, pipi, bumbum,tentem, dindinho, bimbinha. Com tantos mimos, o risco era da criança ficar mole e bamba, cansada e amarela. Padre Gama, já na virada do século XIX voltava à carga contra a criança criada entre resguardos de mães extremosas e amas negras. “O molequinho quebra quanto encontra”, informa. “E tudo é gracinha; já tem sete e oito anos, mas não pode ir de noite para cama sem dormir o primeiro sono em o regaço de sua Iaiá que o faz adormecer balanceando-o sobre a perna e cantando-lhe uma embirrante enfiada de chácaras e cantilenas monótonas do tempo do capitão Frigideira”.
Os mimos em torno da criança pequena estendiam-se aos negrinhos escravos ou forros vistos por vários viajantes estrangeiros nos braços de suas senhoras ou engatinhando em suas camarinhas. Brincava-se com crianças pequenas como se brincava com animaizinhos de estimação. Mas isto não era privilégio do Brasil. Nas grandes famílias extensas da Europa ocidental, onde a presença de crianças de todas as idades e colaterais era permanente, criava-se uma multiplicidade de presenças que não deixavam jamais os pequeninos sós.
E esses eram tratados pelos mais velhos como verdadeiros brinquedos, da mesma forma, aliás, como eram tratados os filhos de escravos entre nós: engatinhando nas camarinhas de suas senhoras, recebendo de comer na boca, ao pé da mesa, como os retratou Debret. Tais carinhos exagerados ou “os mimos maternos” eram, contudo, vistos por moralistas setecentistas, como o baiano Nuno Marques Pereira como causa para “deitar a perder os filhos”. A boa educação implicava em castigos físicos e nas tradicionais palmadas.
- Mary del Priore. “Histórias de Gente Brasileira: Colônia vol.1”, Editora LeYa, 2016.
Jean-Baptiste Debret:o jantar em uma casa brasileira.
Excelente informação!