Homossexualidade e antilusitanismo: os “frescos” do Brasil Império

         Em seu livro, Attentados ao pudor: estudos sobre as aberrações do instincto sexual, de 1894, José Viveiros de Castro, professor de criminologia na faculdade de Direito do Rio de Janeiro empregou, pela primeira vez, um termo pejorativo; fresco. No capítulo intitulado “Pederastia”, ele descreveu os frescos cariocas, referindo-se a homens que, em 1880, nos últimos bailes do Império, invadiram o baile de máscaras do carnaval no Teatro São Pedro, localizado no Largo do Rossio. Tal como outros intelectuais da época – físicos, políticos, advogados, intelectuais e artistas – ele retratava os sodomitas modernos como homens efeminados que praticavam sexo anal como elementos passivos e ganhavam a vida com a prostituição das ruas. “Um destes frescos – diz Viveiros de Castro – como eram eles conhecidos na gíria popular, tornou-se célebre pelo nome Panela de bronze. Vestia-se admiravelmente de mulher, a ponto de enganar os mais perspicazes. Dizem que chegou a adquirir alguma fortuna por meio de sua torpe indústria e que era tão grande o número de seus frequentadores, pessoas de posição social, que era necessário pedir com antecedência a entrevista”.

       Membros da classe médica, como o nosso já conhecido Ferraz de Macedo, ocasionalmente escreveram sobre o tema, combinando a tradicional aversão moral e religiosa ao homoerotismo, com teorias do tipo: a homossexualidade se devia a distúrbios psicológicos; originava-se graças à falta de “escapes normais”; atribuía-se à “criação moral imprópria”. Listavam-se as diferentes características dos “penetradores” e dos “penetrados”. Era a moralidade e não a medicina, o remédio para lutar contra esta “aberração da natureza”.

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    Segundo Ferraz de Macedo, estes homens possuíam vocabulário próprio e sinais para efetuar suas “cantadas”. Identificavam-se por conversas, gestos das mãos e “pouca serenidade e circunspeção”. Gostavam de ficar à toa em lugares públicos, especialmente nas ruas mais movimentadas, em procissões religiosas – eles, tanto quanto os casais heterossexuais – em frente de teatros e durante romarias. Possuíam elegância, faziam questão de estar bem vestidos, portando camisas bordadas, lenços vermelhos ou azuis e gravatas de seda. Perfumavam os cabelos, usavam ruge e maquilagem pérola, portavam berloques e correntes de ouro. Enfim, signos “de um mundo depravado”. A malícia da época e o antilusitanismo, atribuíam aos comerciantes portugueses fazer dos seus caixeiros, suas mulheres, e não faltavam notícias de jornais, como a publicada no O Periquito, de Recife, sobre os “tarugos”, como eram chamados lá: “um moço de 16 anos, pardo”, com uma cabeleira que se desprendia em grande trança. “Vestia camisa de mulher, meias compridas e sandálias bordadas. Em seu baú foram encontrados retratos de alguns empregados do comércio, cartas amorosas e etc.”. Foi a época, também de um famoso Erotides, que dançava em pastoril ou de Atanásio, que a à rua dos Ciganos, na capital, recebia desde o caixeiro ao senador do Império.

    Mas os “frescos” também amavam. E é Adolfo Caminha quem, em 1895, publica seu segundo romance, O Bom Crioulo, com a história de um fanchono – nome que se dava aos homossexuais – e seu amor por um garoto pubescente. Amaro, um escravo fugitivo busca refúgio trabalhando num navio da marinha brasileira. Aí encontra Aleixo: jovem e delicado grumete, de pele clara e olhos azuis, por quem se apaixona. Quando em terra, Amaro monta casa – um quarto alugado – com Aleixo, onde vivem um relacionamento livre. Em viagem, Amaro não deixava de levar uma fotografia de Aleixo – o daguerreotipo ficara conhecido no Brasil, desde 1840 – imagem que, ao deitar, enchia de beijos úmidos e voluptuosos. Mas, como já viu o leitor, não há, nesta época, história assim sem final trágico. Pois Aleixo se deixa seduzir pela senhoria – Carolina, uma ex-prostituta e roído de ciúmes, Amaro o mata.  Ambos são vítimas na tradição da época do amor trágico, amor traído, amor impossível, amor de novela.

  • Texto de Mary del Priore.
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O Jovem Baco”, de Caravaggio.

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