Entre quatro paredes

Em “O Processo Civilizador. Uma história dos costumes”, Norbert Elias apresenta alguns fatos curiosos de como nossos antepassados se comportavam no quarto. Na sociedade medieval, por exemplo, na hora de ir dormir, as pessoas não eram tão tímidas, como se poderia pensar. Ou elas dormiam totalmente vestidas – o que era comum nas ordens monásticas – ou totalmente nuas. E também era comum ver as pessoas de todas as idades caminharem quase despidas quando iam de suas casas aos banhos.

“Essa despreocupação desaparece lentamente no século XVI, e mais rapidamente nos séculos XVII, XVIII e XIX, no início, nas classes altas e, muito mais devagar, nas classes baixas. Até então, todo o estilo de vida, com a maior intimidade dos indivíduos, tornava a vista do corpo nu, pelo menos no lugar apropriado, incomparavelmente mais comum que nos primeiros estágios da era moderna”.

As camisolas começaram a ser usadas na mesma época que os talheres e o lenço. Até então, ir para a cama vestido poderia gerar, inclusive, desconfianças:

“Isso despertava suspeitas de que a pessoa pudesse ter algum defeito corporal – por que outra razão o corpo deveria ser ocultado? – e, de fato, isso usualmente acontecia”.

Outra curiosidade: o quarto de dormir não era privado e íntimo como passaria a ser posteriormente.

“Era inteiramente normal receber visitantes em quartos com camas, e as próprias camas tinham valor de prestígio relacionado com a opulência. Era muito comum que muitas pessoas passassem a noite no mesmo quarto: na classe alta, o senhor com seus serviçais; a dona de casa com as damas de companhia; em outras classes, mesmo homens e mulheres no mesmo quarto e, não raro, hóspedes que iam passar a noite”.

O autor relata algumas regras de comportamento no quarto, extraídas dos manuais de boas maneiras, do século XV ao XIX. Era preciso respeitar a hierarquia social até nessas horas. Caso a pessoa tivesse que dividir o quarto ou cama com alguém “superior”, devia esperar o outro escolher onde dormir, não se mexer muito durante à noite (se compartilhassem  a mesma cama) e evitar conversas. No século XVIII, já se tornava inconcebível que pessoas de sexos diferentes dividissem o mesmo quarto, a não ser crianças muito pequenas ou na “extrema penúria”. Se isso ocorresse, era necessário observar o “máximo recato”.

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Enfim, os exemplos nos dão ideia de como os costumes mudam ao longo do tempo – o que era indecente em determinada época pode ser natural em outra. A obra de Elias é uma fonte importante para quem se interessa pelos hábitos de nossos antepassados, apesar de haver uma tendência em ver a História de forma linear e evolutiva. Mas não deixa de ser uma ótima leitura!

Texto de Márcia Pinna Raspanti.

ELIAS, Nobert. “O Processo Civilizador. Uma história dos costumes”. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 1990. Apresentação de Renato Janine Ribeiro.

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