Catarina: a Grande – mulheres na política

Nem russa, nem Catarina. Nascida em Stettin na Pomerânia a 2 de maio de 1729, Sofia Augusta Frederica de Anhalt-Zerbst, era filha de um príncipe do Santo Império Romano Germânico e de uma mãe, igualmente nobre, porém fútil e ambiciosa. Como “Catarina a Grande” reinou trinta e quatro anos numa época em que o grande desafio era abrir à Rússia à Europa, guardando, porém, sua singularidade e tradições. A Inglaterra vivia então a revolução industrial e inventava o capitalismo enquanto os Estados Unidos se abriam à democracia e às liberdades individuais. Mas o império russo continuava ancorado num sistema feudal, fundado sobre a exploração fundiária e a servidão: uma forma de escravidão de camponeses.

Educada, desde pequenina em francês, lendo Moliére, Racine e Corneille, cedo se revelou independente e arrogante. Bonita? Não. “Até a idade de 14 ou 15 anos eu estava convencida da minha feiúra e, portanto, mais empenhada em alcançar realizações internas”.  Menina ainda conheceu o único neto de Pedro, o Grande. Aos 11 anos, órfão, doentio, olhos esbugalhados, cabelos ralos e queixo retraído, o menino Pedro Ulrich já gostava de beber. Não lia nada e, durante anos fora torturado, com vara e chicote, pelo seu tutor e tio. Mas brincaram juntos, se entenderam e o casamento começou a ser tramado. Como “a gata borralheira” ele seguiu aos 14 anos para corte russa com um enxoval feito com lençóis velhos. O dinheiro que fora enviado para a viagem, serviu para refazer o guarda-roupa da mãe.

As relações da “princesinha de Zerbst” com Elizabeth, a tzarina, foram cuidadosamente construídas. E construídas na comparação entre as atitudes da jovem prussiana e as do futuro marido: ela gostando de aprender russo, estudando o país e suas características, convertendo-se à ortodoxia e ele, detestando tudo e saudoso de seu Holstein natal. O herói de Pedro não era o imponente avô russo, mas o ídolo de todo o soldado germânico, Frederico da Prússia. Desde o início, o  prometido  abriu-se com ela: gostava de outra. “Fiquei corada ao ouvir suas confidências”, registrou a jovem. Mas era sensata e prática. Aceitou o papel de amiga. Noivaram, converteram-se e casaram. Ele passou nove anos sem deitar-se com ela. Preferia se cercar de soldados de chumbo com os quais brincava, vestir o uniforme azul de Holstein e beber até cair. Ela assistia.

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Depois de sete anos de casada e ainda virgem, conheceu o amor com Serguei Saltykov que lhe fez o primeiro filho: Paulo. Os amantes se sucederam e os filhos e a educação também. Como ela mesma disse: “dezoito anos de tédio e solidão lhe deram a oportunidade de ler muitos livros”.  Entre 1754 e 1755, descobriu Montesquieu e Voltaire, obras que “causaram revolução” em seu cérebro.  A personalidade de Catarina incomodava. Primeiro aos desafetos da “princesa germânica”, pois havia quem quisesse para a Rússia, outras alianças políticas. Depois, à própria imperatriz Elizabeth que nutria por ela uma relação de amor e ódio, o segundo aguçado pela juventude e inteligência da jovem. E por fim, o próprio marido que a maltratava e humilhava publicamente. Alianças e intrigas dentro do palácio e a figura cada vez mais patética de Pedro ajudaram Catarina a ocupar seu espaço.

O desfecho da crise veio depois da morte de Elizabeth. Coberta de véus negros, Catarina prostrou-se, por dias, frente ao caixão da finada imperatriz. O ato lhe fez conquistar corações e mentes. Pedro preferiu o escárnio e realizou uma palhaçada grotesca durante os funerais da mulher que o transformara em imperador. Os nobres, os oficiais e a multidão não esqueceram. Coroado Pedro III, quis repudiar a esposa e colocar no trono sua amante, uma quase rameira. Foi a gota d´água. Ninguém queria um imperador desequilibrado, alcoólatra, que mais se preocupava com seu Holstein natal do que com a Rússia. Sob a liderança de novo amante de Catarina, Gregório Orlov, um golpe foi orquestrado com o apoio do exército. Pedro foi preso, e depois “acidentalmente enforcado”. Para os médicos, tudo não passou de “um ataque hemorroidal agudo”!

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Catarina, que não teve mãe, e tampouco cuidou pessoalmente dos filhos, se tornou a Matushka, a “mãezinha misericordiosa da Rússia”. A Europa se dividiu quanto à sua participação no golpe de Estado que caracterizou o império como “um despotismo temperado pelo estrangulamento” – segundo Madame de Staël.

A agora Catarina II se caracterizaria por uma enorme atividade política. Para começar, reuniu uma comissão legislativa representando todas as classes, salvo os servos, com o objetivo de realizar um novo código de leis, o “Nakaz”. Sobre ele trabalhava pessoalmente várias horas por dia. Críticas a monarquia deixaram de ser crime, pois, afinal, “a censura não consegue produzir mais do que ignorância”. Rejeitou a tortura e defendeu o absolutismo como um instrumento de fortalecimento do Estado. Tentou, também, um “Acordo do Norte” entre a Rússia, a Prússia, a Polônia e o Reino Unido contra a liga Bourbon-Habsbourg. Em 1754, Catarina levou seu ex-amante Estanislau Poniatownki ao trono da Polônia cujo território abocanhou em diversas partições entre 1772 e 1795. Em 1774, concluiu o tratado de Kutchuk-Kaïnardji que lhe assegurou a abertura para o Mar Negro, além de muitas províncias meridionais.

Depois da guerra contra o império otomano, Catarina estabeleceu o poder russo no Oriente Médio. Foi, ainda, mediadora na guerra de sucessão bávara entre a Prússia e a Áustria e montou um grupo para defender embarcações britânicas, durante a guerra de independência dos Estados Unidos. Depois de abrir “uma janela para o Ocidente”, ela reorganizou a administração provincial, dando aos governos locais maiores liberdades para reprimir revoltas camponesas e às cidades, maior autonomia. E em 1785, editou uma Carta da Nobreza concedendo favores aos seus membros e exonerando-os do serviço militar. Encorajou a colonização do Alaska além de transformar o império no maior produtor mundial de ferro e cobre, com cerca de 200 usinas em pleno funcionamento. Anexou 518 mil quilômetros ao território da Rússia, mas não conseguiu vencer o problema da servidão que a envergonhava. Não havia como indenizar os proprietários de servos cuja posse era defendida até mesmo por liberais russos.

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Mecenas das artes, da literatura e da educação, Catarina se correspondeu com os maiores intelectuais da época, como Diderot, d´Alambert e Merquior Grimm. Em 1765, comprou a biblioteca de Diderot e em 1778, a de Voltaire. Depois que explodiu a Revolução Francesa, seu maior problema não foi divulgar, mas refrear as ideias iluministas na Rússia. Aos 67 anos, fechou os olhos a 6 de novembro de 1796, depois de um derrame. que a fulminou na mesa de trabalho. Em suas memórias, Catarina tornou palpáveis as mudanças de si e do seu mundo.

Mulheres singulares existiram numa época em que as acreditávamos submissas e invisíveis. Em todos os tempos, elas saíram de seus papéis tradicionais na vida privada, para conquistar espaço na vida pública. Passaram de objeto a sujeito. No século XVII, nasceu até uma literatura, dita pré-feminista, que cantava loas às mulheres fortes. Eram representantes do sexo frágil que reuniam virtudes morais, beleza e graça. Foram amazonas, amantes da caça como a duquesa de Longueville ou guerreiras, como Mlle. de Montpensier que participou da Fronda contra o rei Luís XIV. Obras como “Nobreza e Excelência das Mulheres” ou “Galeria das damas Ilustres” bendiziam sua existência. A Germânia, símbolo da unidade alemã, e Marianne, encarnando a República francesa são imagens representativas destas irmãs do passado. O segredo de suas conquistas? Educação. As que fizeram a diferença estudaram, leram e escreveram. Valorizavam o conhecimento e o saber. A receita das “mulheres fortes” como Catarina, ainda vale para os dias de hoje…- Mary del Priore.

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Catarina, a Grande: a importância da educação para as mulheres.

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