No ciclo das festas religiosas, a celebração do Natal, entre ricos ou pobres, era quase tão importante quanto São João. Na primeira metade do século XX, não se via quase “árvore de Natal”, mas presépio. As lapinhas representavam a cena sagrada do divino nascimento em Belém. Na região interiorana de São Paulo, eram obrigatórios vinte e uma figuras. Em Minas, além da cena clássica da manjedoura, pequenos bonecos representavam cenas da vida cotidiana. Em Goiás, tinha sempre a representação de maquinarias de antanho: monjolos, pilões, carros de boi.
Carlos Heitor Cony se recorda do pai que “preferia armar presépios, e ele tinha guardado o conjunto que comprara na casa Cruz na Rua Ramalho Ortigão, que por sinal era uma de suas obsessões. Ali se abastecia de papel de seda sueco para os balões. Ali comprara o conjunto principal do presépio, São Jessé de cajado à mão, Maria de cabeça baixa, a manjedoura de palha com um menino dentro, de braços abertos, coisa simples, cafona, imediata. Comprava também carneirinhos, galinhas, patos, uma vaca pelo menos. Depois, passava dias armando o presépio. Um pedaço de espelho que uma empregada havia quebrado servia de lago, no qual nadavam os patinhos de celuloide. Muito algodão recebia tinta verde e marrom para fazer os acidentes de terreno em volta da gruta de Belém. A estrela, com sua cauda desproporcional, recebia purpurina e era colocada em cima. Ao contrário das festas de Santo Antonio, em que ele gastava até o que não podia, no Natal era econômico, o presépio saia pobre, capenga, mas era um presépio e era um Natal”.
Carolina Nabuco confirma as características da festa:
“Já disse que o Natal de nossa infância era simples e modesto…os presentes que ela (a mãe) colocava nos galhos eram uns nadas, mas eu corria pela casa mostrando-os um por um aos criados […] Ganhávamos poucos presentes, mas vibrávamos com a modesta árvore que minha mãe arrumava secretamente num quarto fechado. Na véspera, ela era introduzida, também secretamente, na sala de jantar. Chamavam-nos então para gozá-la. Jamais duvidamos da existência de Papai Noel […] Se já existiam festas natalinas para crianças deviam ser raríssimas. […] A emoção religiosa própria do Natal limitava-se a termos consciência de que nascera o menino que era Deus. Íamos visitar o presépio na igreja mais próxima…ficávamos longamente embebidos olhando a cena do estábulo”.
As revoltas e quarteladas atrapalhavam as celebrações como se vê no diário de Cecília Assis Brasil, em 1927: “Não temos festa de Natal em casa, há seis anos. Os chimangos (acólitos de Borges de Medeiros) surrupiaram a velha roupa de São Nicolau e destriparam os enfeites da árvore, alguns mais velhos do que eu”.
Em Alagoas, Graciliano Ramos comparou a festa sagrada a uma feira profana: desafios de violeiros, cavalhadas, cheganças, reisados, leilões, pastoris e fandangos de 23 de dezembro a 6 de janeiro. Tudo regado a muita cachaça, vinho branco e bozó. Do outro lado do país, em casa da avó, em Porto Alegre, Lya Luft, em vestido novo e sapatos de cetim, conta que “girava solene numa pinha de ferro sobre uma caixa de música, uns discos de metal com lasquinhas levantadas tocadas por uma agulha. O som metálico em canções natalinas, o pinheiro enfeitado rodava em câmara lenta […] depois os adultos tomavam champanha, havia brindes e presentes e alguém tocava piano e todos cantavam”.
Mas “Papai Noel” não era para todos. Pobres passavam a data a seco. Que o diga Gregório Bezerra: “Chegou finalmente o natal de 1905. Para a nossa família, o natal foi triste e pesado. Quase nada tínhamos para comer. Nem mesmo tomamos um gole de café”. E quantos não passavam a data do mesmo jeito…
Outras tradições iam desaparecendo. Até 1930, era comum, entre famílias conhecidas, enviarem-se bandejas com guloseimas, no Natal. Essas eram retribuídas no Dia de Reis. Ou, a crença de “quem armar um presépio terá que armá-lo por sete anos seguidos, senão acontecerá uma desgraça”! Papai Noel, só depois da II Guerra e, como outras modas, “made in USA”.
- Mary del Priore, “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), editora LeYa, 2017.