“Diretas Já”, explica a historiadora Maria Esther Moreira, foi o movimento político suprapartidário em defesa do retorno de eleições diretas para a presidência da República, que ganhou ampla dimensão política e social. Tendo se iniciado em maio de 1983, se multiplicou numa série de comícios, nos primeiros meses de 1984, mobilizando milhões de brasileiros quando da campanha para a sucessão do governo do general João Batista Figueiredo. Em março de 1983, por um acordo entre os partidos de oposição, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou ao Congresso Nacional uma emenda constitucional que propunha o fim do Colégio Eleitoral e o retorno das eleições diretas para presidente e vice-presidente para as eleições seguintes, previstas para 1985. Em maio de 1983, o deputado federal Ulisses Guimarães, presidente do PMDB, e representantes do PT compareceram a um debate político no auditório da Universidade de Goiânia. O grande tema do debate foi a possibilidade do retorno das eleições diretas para a presidência da República, já no pleito previsto para janeiro de 1985. O evento atraiu grande número de pessoas, que, em seguida, ocuparam as ruas da cidade, podendo este ser considerado o primeiro e mais espontâneo comício pelas diretas. Em junho do mesmo ano, no interior dos partidos de oposição, teve início um debate em torno da conveniência de abertura do processo de negociação com o governo, para que se chegasse a um acordo sobre a mudança na legislação eleitoral.
A fim de acabar com o dispositivo constitucional que criara o colégio eleitoral, as oposições precisavam garantir o apoio de dois terços dos votos dos congressistas à emenda Dante de Oliveira. Como o Partido Democrata Social (PDS), o partido do governo, era majoritário no Congresso, ainda em dezembro de 1983, alguns partidos da oposição, especialmente o PMDB, o PTB e parte do PDT, defendiam a hipótese de se garantir a sua própria influência na escolha do sucessor por via indireta. Essa defesa se fundamentava na observação da crise política e econômica que crescia no país, aumentando a falta de credibilidade pública do governo. A aproximação da sucessão presidencial abriu uma disputa interna no PDS, quando do processo de escolha do candidato oficial do partido para as eleições indiretas. Mário Andreazza, Paulo Maluf, Aureliano Chaves e Marco Maciel foram os pedessistas que se apresentaram como candidatos para a convenção do partido, prevista para setembro de 1984. Os dois últimos, posteriormente, afastaram-se da disputa. Com essas candidaturas criou-se uma sensível divisão da base governista.
Diante desse quadro, em 11 de janeiro de 1984, o presidente Figueiredo resolveu abdicar da função de coordenador da sucessão presidencial. Como estratégia para evitar que Paulo Maluf, o candidato mais distante do palácio do Planalto, viesse a se tornar presidente da República, caso saísse vitorioso na convenção do PDS, o chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Leitão de Abreu, iniciou contatos com alguns partidos da oposição – PMDB, PTB e PDT – propondo a formação de um projeto de união nacional que tornaria, no Colégio Eleitoral, imbatível o candidato daí resultante.
No entanto, durante o ano de 1984, a Campanha pelas Diretas Já tomou as ruas das principais cidades do país, sendo amplamente coberta pela mídia, que teve a oportunidade de demonstrar sua capacidade de expressar as alterações que se verificavam na opinião pública e de, ao mesmo tempo, influenciá-las.
Além disso, a vitória da oposição nas eleições de 1982 garantiu o apoio dos governadores dos maiores estados brasileiros para a mobilização da população em favor das Diretas Já. Assim, uma discussão que se iniciara no interior da arena política, começou a invadir as ruas. Em 5 de janeiro, o PT organizou um comício-show na cidade de Olinda, com o objetivo de oficializar o início do movimento pró-Diretas Já, no estado de Pernambuco. Em 12 de janeiro de 1984, Curitiba foi o palco do teste de apoio popular à Campanha pelas Diretas Já. O PMDB distribuiu dois milhões e meio de material panfletário, 15 mil cartazes, 30 mil cédulas simbólicas e três mil camisetas pró-Diretas Já, garantindo ainda, 15 inserções publicitárias na TV Globo Regional, nos intervalos do Jornal Nacional. Às 17 horas o comércio fechou as portas e cerca de 30 mil pessoas compareceram ao primeiro grande comício pelas Diretas Já. Nesse evento, algumas das características predominantes do movimento começaram a se delinear: o amplo apoio da população; a participação de inúmeros artistas; a apresentação do comício por um locutor esportivo de uma grande rede de televisão, a TV Globo, o uso dos símbolos nacionais em comícios de natureza cívica (bandeira nacional, as cores verde e amarelo, o hino nacional) e o refrão cantado por todos: “um, dois, três,/ quatro, cinco, mil,/ queremos eleger/ o presidente do Brasil.” Na sexta-feira, 13 de janeiro, uma passeata com cerca de três mil pessoas percorreu as ruas de Porto Alegre. Em 14 de janeiro o movimento chegou a Camboriú, Santa Catarina, e no dia 20 do mesmo mês, em Salvador, Bahia, aproximadamente 15 mil pessoas foram para as ruas pedir pelas Diretas Já, concentrando-se na praça municipal.
No feriado paulista de 25 de janeiro, um público estimado em duzentas mil pessoas permaneceu, sob uma chuva de duas horas, na Praça da Sé, centro da cidade, participando do comício pró-Diretas Já, onde líderes oposicionistas dividiram o palanque e encerraram o comício de mãos dadas, cantando o hino nacional. Nas fotos estampadas na cobertura da imprensa vê-se lado a lado: Franco Montoro, governador do estado de São Paulo (PMDB-SP), Leonel Brizola, governador do estado do Rio de Janeiro (PDT-RJ), Ulisses Guimarães, presidente do PMDB, e Luís Inácio Lula da Silva, presidente do PT Além dos políticos, vários artistas ocuparam o palco das Diretas Já: Morais Moreira cantou o Frevo das Diretas, ao lado de Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Milton Nascimento, Sônia Braga, Bruna Lombardi, Irene Ravache, entre outros. Desde o comício da Praça da Sé, o Menestrel das Alagoas — composição de Milton Nascimento e Fernando Brant em homenagem ao recentemente falecido senador de Alagoas pelo PMDB, Teotônio Vilela – um dos principais defensores do caráter suprapartidário do movimento – tornou-se o hino da campanha, tendo sido cantada na ocasião por Fafá de Belém. Outros símbolos da campanha começaram a surgir: o “Dragão das Diretas”; o uso de camisetas com slogans pró-Diretas Já e o uso do amarelo, presente na bandeira nacional no pára-brisas dos carros, nas fachadas de edifícios e nas roupas. Em sua cobertura, a Rede Globo de Televisão, principal emissora de televisão do país, cobriu o comício da Praça da Sé, explorando a significativa presença de artistas, como se estivesse transmitindo um show artístico para todo o país.
Na véspera da votação da emenda Dante de Oliveira, 24 de maio, os motoristas que se encontravam nas ruas das principais cidades do país, à hora marcada, orquestraram as buzinas de seus automóveis provocando muito barulho. Ao mesmo tempo, um “panelaço”, barulho obtido pelo bater nas panelas, nas residências de todo o país se somou ao barulho das buzinas dos carros nas ruas, assim como rojões e intermitente piscar de luzes nas residências possibilitaram a milhares de brasileiros unirem-se em demonstração de apoio à aprovação da emenda.
Em Brasília, cidade que recebia seus visitantes com placas de trânsito com os seguintes dizeres: “Seja bem-vindo. Nesta cidade não se buzina”, o “buzinaço” começou muito antes das 20 horas, horário marcado para a sincronia nacional da manifestação. E tendo começado às 18:20 horas, constrangeu o presidente da República, general Figueiredo, no momento em que ele cumpria o cerimonial da descida da rampa do palácio do Planalto. Em 25 de abril de 1984, teve lugar uma das mais movimentadas sessões da história do Congresso Nacional, que contou com a presença de inúmeros artistas e intelectuais entre a massa de partidários que ocuparam os jardins e galerias daquela casa durante todo o dia. No entanto, a Câmara dos Deputados, por falta de 22 votos, rejeitou a emenda que propunha as Diretas Já. Precisando de 320 votos para ser aprovada, de um total de 479 congressistas, a emenda Dante de Oliveira recebeu 298 votos. Na madrugada de 25 para 26 de abril, o presidente do Congresso, o senador Moacir Dalla (PDS-ES), anunciou que a emenda Dante de Oliveira não alcançara os indispensáveis 2/3 dos votos na Câmara dos Deputados, sendo assim rejeitada. A multidão que lotava as galerias do Congresso, entre lágrimas, deu-se as mãos e, erguendo-as, cantou o hino nacional. Afastado o sonho das Diretas Já, as oposições se voltaram para a possibilidade de garantir o fim do regime militar.
- Texto de Mary del Priore.

Movimento “Diretas Já” mobilizou diversas lideranças políticas. Imagem: CPDOC/FGV