Entre os séculos XVI e XVIII, nossos avós também tinham seu ritmo de vida marcado pelas grandes constantes da condição humana: o nascimento, o casamento e a morte. Viver consistia em passar essas etapas e sequências cerimoniais que tornavam significativo o universo individual. Para tal, se impunham rituais cuidadosamente seguidos por todos. Vejamos os que cercavam o matrimônio.
Pelas leis da Igreja, aos catorze anos os rapazes podiam contrair casamento; as meninas estavam aptas a partir de doze anos. Mas se essa era a regra, não era a prática. No litoral sudeste, por exemplo, os casamentos ocorriam em torno de 21,6 anos para homens e 20,8 para mulheres. Passados dos trinta anos, os solteiros encontravam grande dificuldade para casar embora o sacramento do matrimônio fosse pouco recebido no Brasil, durante o período colonial. A maioria da população vivia em concubinato ou em relações consensuais, apesar de a Igreja católica punir os recalcitrantes com admoestações, censuras e excomunhões.
Uma das razões que complicavam a realização dos casamentos era a elevada despesa da papelada. Sobretudo quando os “papéis” tinham que vir do Reino de Portugal. Nas fazendas e engenhos de açúcar, eram comuns as festas para casamentos e batizados coletivos de escravos. A tradição recomendava que se chamasse o sacerdote e que num só dia se realizassem simultaneamente ambas as cerimônias, às quais seguia-se uma “função”: festa com farta distribuição de rapadura e aguardente aos escravos, que se entregavam aos alegres batuques, atabaques e repeniques de violas.
Entre os ciganos, os recém-casados dirigiam-se à casa da esposa para a benção paterna. Aí a noiva recebia do parente mais velho uma camisa cara, recoberta de bordados, que lhe era cobrada no dia seguinte; uma espécie de “troféu do hímen”, nos conta o viajante francês de passagem pelo Brasil, Jean-Baptiste Debret. Os festejos começavam no segundo dia. Os convidados sentavam-se no jardim, sobre esteiras, em torno de uma toalha em que se dispunham os pratos: “enormes cones de farinha de mandioca são colocados no canto, para serem misturados com o molho dos diversos acepipes”. E a seguir, eram devorados com os dedos. Sapateados ao som de palmas, chulas e fandangos enchiam os ares.
Evitava-se casar no dia da festa de Sant´Ana, pois se acreditava que a noiva estava fadada a morrer de parto. O dia do enlace, aliás, envolvia algumas crenças. Durante a manhã que antecedia o cortejo de casamento, a noiva não podia ver ou provocar sangue, matando ave ou ajudando na cozinha, nem sair de casa, exceto para ir á igreja, ou olhar para trás no caminho. Ao voltar para casa, depois da cerimônia, os noivos eram recebidos com tiros de mosquetão, foguetes e cantorias que louvavam a comezaina e o baile que se seguiriam. Uma semana depois, um almoço ou boda, encerraria as festas de casamento.
Práticas que tinham lugar na intimidade das jovens casadoiras procuravam garantir o casamento. Santo Antônio e São Gonçalo estavam presentes em centenas de adivinhações para que o devoto assegurasse seu futuro amoroso: da clara de ovo dentro da bacia d´água, da cacimba em que devia aparecer o rosto do amado, das agulhas, que metidas em um copo não podiam se separar. Quando não cumpriam as promessas, as imagens religiosas ficavam de castigo penduradas dentro de um poço. São João também era considerado santo casamenteiro, associando-se seu culto a cantigas sensuais: “dai-me noivo, São João, sai-me noivo, dai-me noivo que quero me casar”.
Em casa, o quintal era o local dos encontros amorosos entre os prometidos. Era ai que os casais se chamavam “meu benzinho da minh´alma” ou “meu coração” e trocavam mimos e presentes, e as eternas juras de amor eterno. As noivas costumavam receber “corações de ouro”, fitas de seda, tecidos finos e joias de presente. Quando pobres, contentavam-se com “laranjas e palmitos”. Na ausência dos pais ou responsáveis davam curso ao que a Igreja condenava como “jogos de abraços desonestos” nas redes estendidas no alpendre, nos catres ou no capinzal.
O dote de casamento era obrigação à qual não se furtavam os pais da nubente. O marido recebia escravos, instrumentos de lavoura, cabeças de gado e ainda o enxoval da noiva em que figuravam sempre o anel, brincos de ouro, botinas, o vestido nupcial para ir até a porta da igreja, sem falar no mobiliário e na “limpeza da casa”, que vinha a ser a cama e sua “roupa branca”. Os abastados acrescentavam “pedaços de chão”, sobre os quais os filhos pudessem construir uma casa ou um sítio.
Gregório de Mattos, poeta baiano do século XVII, adicionava ao dote, umas regras de bem-viver destinadas aos noivos, mas que deviam ser respeitadas sobretudo pelas mulheres: Não cabia à esposa abrir a boca para falar antes do marido, nem jamais aparecer á janela da casa. Ela devia se mostrar “mulher que poupa” remendando as roupas do marido, e esperando-o para jantar comportadamente sentada numa almofada. Deveria, ainda, saber “coser, assar e fazer-lhe bocadinhos caseiros”. E sem negligenciar aspectos físicos da relação, o sábio poeta ainda recomendava: “quando vier de fora, vá-se a ele, e faça se unir pele com pele”. Depois, era enfrentar a situação que os ditados do século XVIII assim definiam: “casa de pombos, casa de tombos”! – Mary del Priore.
Imagens de um dos casamentos mais importantes do Império: Isabel e Conde d’Eu.
Ótimo texto,bastante interessante,e,como em seu livro “O Castelo de Papel”,Mary del Priore retrata,em meio ao movimento abolicionista,o papel da mulher na sociedade daquela época,mostrando o relacionamento de Isabel e Gastão:ela,uma esposa dedicada inteiramente ao matrimônio,e ele,um marido apaixonadíssimo,mas que ditava as regras do lar.
Muito legal essa curiosidade das épocas passadas. Imagino que um ano naquele período demorava muito pra passar. Hoje passa voando!
Muito bom, interessante e vivo …parabéns