Por Natania Nogueira.
Até o século XIX, em muitas partes do Brasil, os velórios aconteciam nas residências dos mortos, e havia a convivência do vivo com o morto no ambiente religioso. Mas na cidade de Salvador, uma lei garantiu a uma empresa privada o monopólio dos sepultamentos por um período de 30 anos. A população reagiu destruindo o cemitério, revoltada porque os enterros não seriam mais realizados nas igrejas.
Este episódio ficou conhecido como a Revolta da Cemiterada, que foi abordada no livro “A morte é uma festa”, de João José Reis. O autor, um dos historiadores brasileiros mais prestigiados, estuda como o homem percebe a morte e suas atitudes em relação ao término da vida. Em “Imagens e Imaginário na História” o historiador francês Michel Vovelle também fala da morte e do além-mundo, utilizado, inclusive, histórias em quadrinhos
Na história da humanidade, a morte sempre foi a única certeza. Junto com ela veio o desejo encontrar o caminho para a imortalidade. Os faraós do antigo Egito buscaram em suas pirâmides a vida eterna. O Vale dos Reis, um dos lugares mais visitados do mundo, nada mais é do que um grande cemitério. Para muitos povos pré-colombianos, morrer significava estar mais próximo dos deuses ou mesmo se igualar a eles. Deixar seus feitos registrados para a posteridade foi a forma encontrada por heróis e reis da Grécia Antiga para alcançarem a imortalidade.
Os cemitérios ou necrópoles guardam pedaços da História. Eles são muito mais do que um lugar de descanso para entes queridos. Ele ultrapassa suas funções ritualísticas e religiosas para se tornar, também, um patrimônio arqueológico, histórico e cultural. Andar por um cemitério pode proporcionar muito mais do que o sentimento de tristeza. Eles nos oferecem uma viagem no tempo. São também espaços de manifestações artísticas. A arte tumular pode despertar os sentidos, trazer prazer ao observador. Alguns cemitérios possuem jardins tão perfeitos, que mais parecem fruto projetos paisagísticos (se não o forem).
Alguns cemitérios podem ser considerados como museus ao ar livre, com coleções de túmulos únicas, que contam e registram histórias. Os cemitério, em alguns países, tornaram-se espaços de visitação turística disputadíssimos. A prática de se visitar cemitérios pelo simples prazer de conhecê-lo tem até um nome: necroturismo.
Alguns dos cemitérios mais visitados do mundo ficam nos Estados Unidos, como o cemitério Nacional de Arlington, o Trinity Churchyard, o Cemitério Boot Hill e o Hollywood Forever. No Brasil o Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858, é o mais famoso. E, da mesma forma que existem formas de se visitar virtualmente museus famosos, alguns cemitérios também ganharam espaço na internet, como por exemplo, o Cemitério de Père Lachaise, na França.
Eu, particularmente, tenho um interesse especial por estes espaços. Gosto, em especial, dos cemitérios de cidades pequenas. Muitos encantam pela sua simplicidade. Acredito que os cemitérios têm potencial didático, podem ser utilizados tanto para se estudar a história local quanto para se desenvolver projetos de educação patrimonial.
Quando vou ao cemitério da minha cidade não consigo evitar. Passo a maior parte de tempo imaginando histórias que passam pela escravidão, pela religiosidade e pelo apego aos ritos. Faça uma experiência, visite um cemitério neste feriado. Busque lançar seu olhar para além da representação da morte, para além do macabro. Você vai encontrar história, vai encontrar beleza e vai estar se conectando com a memória local.
Cemitério da Recoleta (Argentina). Imagem disponível em: http://viajeaqui.abril.com.br/materias/veja-cemiterios-que-atraem-visitas-pela-beleza-e-pelos-tumulos-famosos, acesso em 02 abr. 2015
Gostei muito de seu artigo e atualmente estou com interesse especial nos cemitérios e suas histórias e a cultura de cada local …..
Obrigada, Franciane!
Em tempo: no cemitério de Vassouras está sepultada Eufrásia Teixeira Leite, noiva de Joaquim Nabuco, que à frente de seu tempo era independente, culta, e mexia com finanças. Para mim, especialmente, é muito gratificante visitar túmulos que guardam personagens que conhecemos somente nos livros de História.
Excelente artigo, Natania. Também gosto de visitar cemitérios e, assim como você, o faço com visão histórica. Em Vassouras, por exemplo, visitei túmulos que me fizeram “viver” a história e os costumes do século XIX.
Obrigada, Oswaldo!
Amo visitar cemitérios, especialmente os pequenos que tem túmulos de imigrantes. Me emociono com as lápides de criancinhas e sempre fico imaginando as histórias de vida por trás de cada lápide. Participo de um grupo que faz visitas e também tombamento digital das lápides para estudos genealógicos.
Visitar um cemitério é conhecer, por meio de sua iconografia, a história local. Estatuária, retratos e epitáfios podem nos revelar muito sobre hábitos e comportamentos de uma época. Em cada túmulo ou corredor, um universo pode ser descortinado. Preconceitos e medos infundados afastam, infelizmente muitas pessoas desta experiência. O cemitério é Patrimônio Cultural !
Carlos Roberto da Costa Leite / Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
Concordo, Carlos! Aqui na minha cidade fazemos visita ao túmulo de Augusto dos Anjos, geralmente por época do aniversário de sua morte. Temos um pouco de tudo: de crianças que nunca foram num cemitério, aquelas que tem medo e aquelas que acho super interessante. A escola tem um papel importante nesse sentido, mostrando o espaço do cemitério como algo mais do que um espaço sagrado (ou mesmo profano).
Sempre tive preconceito em visitar cemitérios, hoje ao ter visitado alguns em Paris constatei que é um momento histórico imperdível!
Eu sempre gostei, desde criança. Gosto daqueles bem simples, de distritos. Acho que eles tem muita informação e beleza, também! Alguns túmulos são obras de arte.