Carnaval e homossexualidade: dos “frescos” aos travestis

Momento de transgressão, inversão dos papéis sociais, liberação dos preconceitos – o carnaval nos remete a tudo isso. Desde a Idade Média, quando a festa, que bebe na fonte das tradições pagãs, era conhecida como festa dos loucos ou dos tolos, ao folião é permitido perder sua identidade e viver fantasias. Homens e mulheres mascarados podiam se libertar das obrigações cristãs. No carnaval medieval, a vida era vivida ao contrário, longe da ética cristã. O costume de homens aparecerem vestidos de mulher é bastante antigo e permanece até os dias de hoje. Mas qual seria a relação com a homossexualidade*?  Vejamos brevemente como essa ligação se deu no Brasil.

Em seu livro, “Attentados ao pudor: estudos sobre as aberrações do instincto sexual”, de 1894, José Viveiros de Castro, professor de criminologia na faculdade de Direito do Rio de Janeiro empregou, pela primeira vez, um termo pejorativo; fresco. No capítulo intitulado “Pederastia”, ele descreveu os frescos cariocas, referindo-se a homens que, em 1880, nos últimos bailes do Império, invadiram o baile de máscaras do carnaval no Teatro São Pedro, localizado no Largo do Rossio. Tal como outros intelectuais da época – físicos, políticos, advogados, intelectuais e artistas – ele retratava os sodomitas modernos como homens efeminados que praticavam sexo anal como elementos passivos e ganhavam a vida com a prostituição das ruas. “Um destes frescos – diz Viveiros de Castro – como eram eles conhecidos na gíria popular, tornou-se célebre pelo nome Panela de bronze. Vestia-se admiravelmente de mulher, a ponto de enganar os mais perspicazes. Dizem que chegou a adquirir alguma fortuna por meio de sua torpe indústria e que era tão grande o número de seus freqüentadores, pessoas de posição social, que era necessário pedir com antecedência a entrevista”. (Mary del Priore, “Histórias Íntimas”).

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Como podemos observar até hoje, o preconceito não era deixado de lado nem mesmo nos bailes carnavalescos. Muitas vezes, a aparente alegria dos bailes e desfiles carnavalescos mascara a visão do homossexual como aberração. Os blocos de homens travestidos de mulher exploram principalmente o grotesco da situação: roupas femininas que destacam ainda mais os atributos masculinos, como pernas e peitos peludos, pés e mãos grandes, etc. No século XX, a partir dos anos 30, os travestis, bem “montados” e sofisticados, passam a fazer sucesso entre a high society. “Travestis glamourosos encantavam a imprensa e o público nos bailes de carnaval. Apesar de poder circular livremente e de desenvolveram uma rede de sociabilidades bastante animada, a ‘fechação’ ou qualquer manifestação de afeto era reprimida em público. Sobravam os pequenos apartamentos onde se recebiam amigos, namorados ou casos”, conta Mary del Priore.

De acordo com o brasilianista James N.Green, durante muito tempo, o carnaval brasileiro, com seu cortejo de homens travestidos de mulher, vendeu, dentro e fora do país, a imagem de uma convivência pacífica da sociedade com a homossexualidade e a bissexualidade. No livro “Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX”, o autor mostra que por debaixo dos trajes à moda de Carmen Miranda, típico mito de exportação da alegria e descontração carnavalescas, sempre esteve escondido não a tolerância, mas o preconceito.

Um tema interessante e amplo que merece atenção dos pesquisadores.Nosso objetivo aqui é apenas destacar alguns aspectos mais curiosos a respeito do assunto.

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– Márcia Pinna Raspanti.

* Cabe destacar que travestismo e homossexualidade não têm relação direta, mas este texto, em especial, trata da ligação que se faz entre os dois temas, principalmente no carnaval. 

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“Festa dos Loucos”, de Brueghel.

 

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