Nas coxilhas, por exemplo, o sol brilhou sobre cabeças cortadas. A Revolução Federalista foi uma guerra civil que ocorreu no Sul do Brasil logo após a Proclamação da República. Alimentada pela crise política gerada pelos federalistas, grupo opositor que pretendia libertar o Rio Grande do Sul da governança de Júlio de Castilhos, então presidente do Estado, seus aderentes queriam também conquistar uma maior autonomia frente ao poder da então recém proclamada República. O conflito atingiu os três estados da região: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Os federalistas, seguidores de Gaspar da Silveira Martins, ditos gasparistas ou maragatos, eram frontalmente opostos aos seguidores de Júlio de Castilhos, ditos castilhistas, pica-paus ou ximangos, os republicanos.
Disputas acabaram por desencadear a violenta luta armada, que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, e foi vencida pelos seguidores de Júlio de Castilhos. Embora Floriano tivesse tropas federais nos estados sulistas, somente em 1895, no governo de Prudente de Morais, é que seria assinado um acordo de paz na região. Num palco de brutalidade, este conflito fez pelo menos dez mil mortos e incontáveis feridos. A prática da degola dos prisioneiros não foi rara em ambos os lados, adquirindo o caráter revanchista. Muitas vezes a degola era praticada em meio a zombarias e humilhações e, não com frequência, podia ser antecedida por castração. Na degola, a vítima, ajoelhada, tinha as pernas e mãos amarradas, a cabeça estendida para trás e a faca era passada de orelha a orelha, como se se degolasse uma ovelha, rotina das lides nas coxilhas. Os ressentimentos acumulados, as desavenças pessoais, somados ao caráter rude do homem da campanha acostumado a sacrificar o gado, explicam tais atos de selvageria. Do ponto de vista militar e logístico, a degola decorria da incapacidade das forças em combate de fazer prisioneiros, mantê-los encarcerados e alimentá-los, pois, ambas lutavam em situação de grande penúria. Procurava-se, pelo mesmo motivo, poupar munição empregando um meio rápido de execução.
Já a chamada Revolta da Armada foi um movimento de rebelião promovido por unidades da Marinha contra o governo de Floriano Peixoto, apoiada pela oposição monarquista à recente instalação da República. Ela se desdobrou em dois momentos. Num primeiro, na baía de Guanabara, unidades da Armada sob a liderança do almirante Custódio de Melo, sublevaram-se e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro, então capital da República. A segunda começou a delinear-se em março de 1892, quando treze generais enviaram uma Carta – Manifesto ao Presidente da República. Este documento exigia a convocação de novas eleições presidenciais para que, cumprindo-se o dispositivo constitucional, se estabelecesse a tranquilidade interna na nação. Floriano reprimiu duramente o movimento, determinando a prisão de seus líderes. Em 6 de setembro de 1893, um grupo de altos oficiais da Marinha exigiu a imediata convocação dos eleitores para a escolha dos governantes. Entre os revoltosos estavam os almirantes Saldanha da Gama, Eduardo Wandenkolk e Custódio de Melo, ex-ministro da Marinha e candidato declarado à sucessão de Floriano. Sua adesão refletia o descontentamento da Armada com o pequeno prestígio político da Marinha em comparação ao do Exército.
No movimento encontravam-se também jovens oficiais e muitos monarquistas. A revolta teve pouco apoio político e popular e, a partir de 13 de setembro, diversas unidades encouraçadas trocaram tiros com a artilharia dos fortes em poder do Exército. Houve sangrenta batalha na Ponta da Armação, em Niterói, área guarnecida por aproximadamente 3.000 governistas. Sem chance de vitória na baia de Guanabara, os revoltosos dirigiram-se para sul do país. Alguns efetivos desembarcam na cidade de Desterro, atual Florianópolis, e tentaram, inutilmente, articular-se com os federalistas gaúchos.
- PRIORE, Mary del. “Histórias da Gente Brasileira: República Memórias (1889-1950)” – vol. 3, editora LeYa, 2017.