Voltando de Santos, para onde fora em 5 de setembro, a comitiva do príncipe D. Pedro recebia cartas provenientes da corte.Traziam as péssimas notícias do Rio de Janeiro, enviadas por Leopoldina e Bonifácio.
E mais outras. Na carta de um dos irmãos de José Bonifácio, Antônio Carlos, escrita de
Portugal, a mensagem era direta: “inimigos de toda a ordem e que não poupavam a
real pessoa de Vossa Alteza Real de envolta com ataques ao Brasil.”
Na mesma linha, Leopoldina, conhecida por sua dedicação ao marido, implorava:
“O Brasil será em vossas mãos um grande país, o Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará sua separação. O pomo está maduro, colhe-o já senão apodrece.” Por fim, as palavras do próprio ministro, José Bonifácio: “Senhor, o dado está lançado, e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha Vossa Alteza Real o quanto antes e decida-se.”
Até então, D. Pedro tinha cumprido quase todas as decisões que emanavam da
metrópole. Na verdade, ele se encontrava numa encruzilhada. Ou o rumo dos
acontecimentos se alterava, ou ele voltaria à Europa. Duas possibilidades estavam no ar: a proclamação de uma república, seguindo o exemplo de vizinhos como Colômbia e Chile; ou a conservação da monarquia, com o apoio de uma Constituição. O “dia da
ficada”, mais conhecido como o Fico, a 9 de janeiro de 1822, dera ao governo de D.
Pedro a possibilidade de recuperar a autoridade que as Cortes tinham posto em causa.
O importante, como já se viu, era concentrar esforços na união de três províncias:
Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Mas os problemas que se apresentavam não eram apenas externos. Havia os
internos, também. A cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos e o
Maranhão continuavam fora de sua influência. Ambos concentravam setores da elite
alinhados com o projeto recolonizador. Na Bahia, o sertão e o rico Recôncavo estavam
com o imperador, assim como o sertão de Pernambuco e a mata sul do Piauí, região
de bons pastos. O interior do Ceará, Alagoas e Sergipe estavam a favor de Portugal.
São Paulo, dividido na mão de grupos rivais, ainda que todos a favor da independência.
A unidade necessária a uma tomada de posição ainda estava longe de existir.
Manifestos se multiplicavam incentivando a ideia de independência e liberdade. Só
faltava um ato que os justificasse.
Do lado português, as ameaças eram concretas: ruínas, escravidão e horror. Em
Portugal se reuniam cerca de 7 mil homens, além dos 600 que já se encontravam na
Bahia. Projetava-se fazer nessa província um centro de operações para fomentar
desordens nas demais províncias e atacar o governo do Brasil. Outros boatos
incendiavam a capital, enquanto o príncipe era acusado por Lisboa das piores traições
e coberto “de expressões indignas”.
Foi em meio a essa conjuntura que D. Pedro recebeu os documentos. Além das
cartas de familiares e José Bonifácio, os atos recém-chegados das Cortes não
escondiam a gravidade da situação. Segundo esses, o príncipe passava de regente a
simples delegado das Cortes e, mesmo assim, só nas províncias onde tinha autoridade
efetiva. As demais ficavam sob responsabilidade do Congresso. Seus ministros seriam
nomeados de Lisboa, para onde se transferia a sede do governo do Brasil. Mandava-se submeter a processo criminal todos aqueles que contrariassem as ordens das
Cortes.
Numa das versões do fato – foram três: esta do padre Belchior e as outras do barão
de Pindamonhangaba e de Canto e Melo –, D. Pedro caminhou alguns passos
acompanhado pelo padre Belchior, além de Bregaro, Cordeiro, Carlota e outros em
direção aos animais, que se achavam à beira da estrada. Estacou no meio da estrada,
dizendo: “As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de ‘rapazinho’ e
‘brasileiro’. Pois verão o quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas
as nossas relações. Nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para
sempre separado de Portugal.”
Gritando vivas ao Brasil independente e ao príncipe, a guarda e a comitiva viram D.
Pedro desembainhar a espada. Todos tiraram seus chapéus e ouviram do príncipe:
“Pelo meu sangue, pela minha honra, juro fazer a liberdade e a separação do Brasil.”
Segundo seus biógrafos, D. Pedro costumava jurar, em horas solenes, usando sempre
as palavras Deus, honra e sangue.
E tomou a direção de São Paulo, num galope picado, esporeando a sua besta baia.
A comitiva o seguiu na mesma velocidade. Os correios seguiram na frente para
transmitir às autoridades locais, civis e eclesiásticas, o que tinha acontecido. Ao se
aproximar do povoado, a comitiva do príncipe ouviu o repicar festivo dos sinos da Igreja
de Nossa Senhora da Boa Morte, localizada entre as ruas Tabatinguera e do Carmo.
Sua alta torre permitia avistar os viajantes, que chegavam pela estrada do Ipiranga em
direção à cidade. Os demais sinos respondiam: o da Sé, o do Carmo, o de São
Gonçalo e o de Santa Ifigênia.
A notícia do que ocorrera no Ipiranga depressa se espalhou. Os que presenciaram a
cena comunicaram a boa-nova. Eram cerca de cinco e meia da tarde e a multidão
frenética saudava com gritos e vivas. O alferes Canto e Melo, ao passar pelas ruas da
Glória e Santa Teresa, logo avisou o coronel Antônio Prado, vice-governador da
Província de São Paulo. Breve, ninguém mais ignorava que o Brasil estava
independente. Todos se entusiasmavam. O príncipe entrou na cidade, acolhido pelos paulistas. – extraído de “A Carne e o Sangue”, de Mary del Priore.