A jornalista grávida e o massacre da mídia

Causou alvoroço nas redes sociais uma notinha publicada em um portal de notícias, criticando a forma física da jornalista Fernanda Gentil, da Rede Globo. O texto dizia que ver a moça de biquíni era decepcionante, já que “teoricamente” ela possuía um “corpão”. A coisa pegou mal, principalmente depois que a jornalista divulgou que está grávida. A nota venenosa foi retirada do ar, com pedidos de desculpas. Apenas mais uma bobagem do mundinho fútil das celebridades? Infelizmente, não. O episódio é um flash da forma grotesca de como a mídia trata corpos e mentes femininos…

Desde quando jornalista precisa ter “corpão”? E quem define o que é este tal “corpão”? Vivemos subordinadas a uma tirania massacrante, como diz Mary del Priore, em Conversas e Histórias de Mulher. “Mais do que nunca, a mulher sofre prescrições. Agora, não mais do marido, do padre ou do médico, mas do discurso jornalístico e dos publicitários que a cercam. No início do século XXI, somos todas obrigadas a nos colocar a serviço do próprio corpo, essa sendo, sem dúvida, outra forma de subordinação – que, diga-se de passagem, é pior da que se sofria antes, pois, diferentemente do passado, na qual quem mandava era o marido, hoje o algoz não tem rosto. O algoz é a mídia. São os cartazes da rua. O bombardeio de imagens na televisão”, resume.

Ver mais  "A sedução não é proveniente apenas do corpo"

É verdade que a nota causou indignação, em especial pelo tom grosseiro do texto. Muitos defenderam a jornalista, reafirmando sua beleza. Outros, disseram que a sua forma física se justifica pela gravidez. Houve ainda quem lembrasse que competência não tem nada a ver com o tal “corpão”. Todos são argumentos justos e corretos. Mas, será que não está na hora de dar um passo a frente? Se ela fosse realmente “gorda”? E se não estivesse grávida? Será que a revolta seria a mesma? E mais: se o texto fosse elogioso, ele seria menos nocivo?  Acho que não.

Acredito que um dos grandes desafios das mulheres do século XXI é quebrar essa relação intrínseca que existe entre mulher e sexualidade. Explico: não se trata de negar nossa sexualidade – afinal, já lutamos muito, e ainda o fazemos, para ter direito a ela. Mas, sermos cobradas a todo o momento, e em todas as situações, para sermos atraentes e sensuais se tornou uma prisão. Quem não se esforça para se encaixar nesse padrão é ridicularizada e criticada. Não basta ser competente ou inteligente ou mesmo bonita, precisa ser “gostosa”!

Acho que o culto às celebridades é especialmente danoso nesse aspecto, pois, parece que ir à praia é uma espécie de ritual de autoafirmação, uma prova de fogo para as famosas. Ninguém pode simplesmente se divertir, nadar ou tomar sol: é fundamental exibir um “corpão”. Ter um filho e um mês depois mostrar formas enxutas, então, é a maior glória do planeta. Qual o efeito desse tipo de massacre midiático nas mulheres e na sua autoestima? Acho que é um ponto importante para refletirmos.

Ver mais  Gibi - As Marias em: Maria da Penha vai às Escolas!

Outro dia li um artigo muito interessante em uma revista (não me lembro o nome da autora) que abordava a hipersexualização da moda. O texto questionava por que as roupas femininas têm sempre a função de destacar as partes do corpo ligadas à sexualidade, tornando (ou prometendo tornar) quem as veste atraente aos olhos do sexo oposto.  Não há momentos em que precisamos estar apenas elegantes ou bem vestidas ou confortáveis? Queremos ser sensuais o tempo todo ou isso é uma fantasia masculina?

A sensualidade exacerbada da moda atual não tem nada de moderno. Mostramos mais pele, obviamente, mas qual era a função dos espartilhos, anquinhas, decotes e rendas usadas no passado? Ressaltar as qualidades do corpo feminino que estão relacionadas à fertilidade e sexualidade. Nesse ponto não mudamos muito.

“E a jornalista, afinal, está em forma ou não?”, espero que essa não seja a única discussão que o episódio suscite…

– Márcia Pinna Raspanti.

francesasXVIII

Anquinhas, espartilhos e decotes: destaque para certas partes do corpo feminino.

4 Comentários

  1. Dé Cerqueira
  2. Joabe

Deixe uma resposta