Um monstro apagou um sorriso. O de Marielle Franco. Jovem e entusiasta vereadora pelo PSOL, ela representava tudo aquilo que desejamos para todas as brasileiras: realização, sucesso, estudo, liberdade de palavra, alegria, e, sobretudo, comprometimento com projetos profissionais, políticos e sociais. Marielle representava milhões de nós. Representava, também, a luta daqueles que conseguem, com enorme esforço e talento, se extrair da pobreza e da desigualdade característica do país, simbolizada, hoje por um estado: o Rio de Janeiro. O Rio que foi asfixiado por uma corja de ladrões. Que foi enlameado por uma quadrilha de malfeitores ainda sem punição à altura. Que foi vampirizado por calhordas, mentirosos e agora, assassinos. Um Estado sem Estado. Mas, um Estado em que o ativismo da população se cala quando se trata das comunidades carentes. Marielle foi a exceção que não quis calar.
Desde sempre a Baixada Fluminense não teve representantes dignos. Na primeira metade do século XX, Tenório Cavalcanti, “o homem da Capa Preta”, fazia a lei como queria. Trocava obediência por “paz”, nas comunidades. Junto à população local, ele protelava ou executava sentenças com auxílio de “Lurdinha”, nome de sua metralhadora. A história das execuções sumárias nas periferias cariocas vem de longe. Segundo sociólogos, elas se multiplicaram nos anos 60 e 70, com a criação de Esquadrões da Morte que agiam sob o lema “bandido bom é bandido morto”. Policiais se transformaram, então, em agenciadores dos serviços para vereadores, deputados e prefeitos que, por sua vez, solucionavam problemas de seus financiadores. Delegados indicados por políticos trabalhavam junto com policiais para dar cobertura ao esquema que ia da adulteração de processos à eliminação de testemunhas. Assim, políticos ligados à teia do crime continuaram a fortalecer, pela violência, sua base política e eleitoral. Todos eles ávidos para ter acesso às populações encurraladas por degradantes índices de pobreza, educação, saúde e segurança.
Se o coronelismo existe desde os tempos da República Velha, ele não morreu e matou Marielle. Hoje, com novo nome, técnicas e protagonistas, ele segue assassinando. Foram mais de 90 execuções durante o último processo eleitoral. A política no Rio de Janeiro é um pântano infecto onde figuras luminosas, como a de Marielle, são enterradas. Onde rastejam milicianos e traficantes que se fazem eleger para continuar como Tenório Cavalcanti, levando gente ao inferno. Marielle é um símbolo e é um alerta. Se não houver educação e combate a desigualdade, ou seja, se não houver mudança radical, o Rio seguirá a cloaca onde bandidos dominam a cidade, matando e silenciando vozes e sorrisos.
- Texto de Mary del Priore.

Em novembro do ano passado, Marielle participou de um evento sobre a participação de mulheres na política. Foto: reprodução/Facebook