Judeus e cristãos-novos no Brasil

Além do catolicismo, a Colônia foi palco de outros credos, crenças e práticas religiosas. Descendentes de judeus, por exemplo, buscaram refúgio nessas terras, que lhes pareciam de promissão. O movimento migratório começara em inícios do século XVI em função de perseguições que lhes eram movidas na península Ibérica. Instalados sobretudo na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão, os recém-chegados integraram-se rapidamente à língua, aos costumes e à economia local, misturando-se aos cristãos, com quem dividiam cargos administrativos e comerciais. Os cristãos-novos detinham engenhos, escravos e terras. Para manter vivos os laços comunitários e de identificação, realizavam clandestinamente práticas e atos religiosos do judaísmo, ainda que sob a ameaça da Inquisição. Mas como é que esta se fazia presente na Colônia?

A Colônia nunca possuiu tribunal inquisitorial, ficando subordinada ao existente em Lisboa. Bispos e até leigos – sob o título de Familiares do Santo Ofício – podiam encaminhar denúncias contra suspeitos de heresia. Essas acusações também ocorriam por ocasião de visitações. Espécie de justiça ambulante, as visitas de inquisidores – realizadas entre 1591 e 1595, 1618 e 1621 e 1627 ao Nordeste, assim como entre 1763 e 1769 ao Grão-Pará – tinham por objetivo combater as heresias e zelar pela fé e boa moral dos católicos. Nesse quadro, ritos, preceitos ou cerimônias judaicas eram alvo dos monitórios gerais, ou seja, um documento eclesiástico com aviso aos fiéis, que descrevia minuciosamente tais ritos e era afixado às portas das igrejas. Pequenos atos do cotidiano serviam para indicar judaísmo. Guardar os sábados, por exemplo, revelava-se através do hábito de vestir roupas limpas e arrumar a casa na véspera – limpar e cozer alimentos, acender candeeiros, etc. – para que não houvesse necessidade de trabalhar nesse dia.

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Conscientes do interesse do Santo Ofício por pessoas que cometiam essas infrações, os cristãos-novos costumavam apresentar-se às autoridades confessando seus atos. Fernando Salazar, por exemplo, compareceu perante o inquisidor Marcos Teixeira, em 1618, e declarou “vestir camisa lavada aos sábados”, justificando-se a seguir: “Por ser homem que ganha a sua vida em tratar as galinhas e papagaios e em outras cousas da terra e vir muito suado quando vem de fora”. Os jejuns eram outra prática constante daqueles que seguiam às escondidas a lei de Moisés.

Havia um grande jejum em setembro, o da rainha Ester e o das segundas e quintas-feiras da semana. Nesses dias, os israelitas evitavam alimentos durante o dia e ingeriam, só à noite, carnes e sopas; passavam, ainda, o dia descalços, pedindo perdão uns aos outros. Na celebração da Páscoa judaica, comiam pães ázimos e recitavam orações judaicas, baixando e levantando a cabeça diante da parede, adornada com cordões e fitas rituais, os trancelins. Enterravam os mortos em mortalha nova e terra virgem, colocando-lhes na boca um grão de aljôfar ou uma moeda de prata para que pagassem a primeira pousada. Os meninos eram circuncidados.

Mesmo não seguindo as práticas judaicas de modo inteiramente consciente, os cristãos-novos conservavam a essência de sua cultura original. Repudiavam as imagens dos santos que enfeitavam os oratórios, consideravam a religião católica uma idolatria, esquivavam–se do sacramento da confissão, alegando que: “Era melhor confessar a um pau ou a uma pedra do que a um outro pecador”.

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Diferentemente dos cristãos-novos, os judeus que iriam se instalar em Pernambuco quando da invasão holandesa, de 1630 a 1654, encontraram melhores condições para exercer sua religiosidade. Concentrados numa rua de Recife, a Jodenstraat (rua dos Judeus), onde construíram a sinagoga da comunidade Kahal Zur Israel: uma casa de muitas janelas, com o térreo ocupado por duas lojas, tendo no andar de cima uma ampla sala mobiliada para utilização religiosa. Ao rabino, ou haham, Isaac Aboab da Fonseca devem-se as primeiras páginas literárias, em hebraico, escritas no Brasil: um poema que descreve os sofrimentos suportados pelos judeus em 1646, quando Recife ficou sitiado pelos luso-brasileiros. – Mary del Priore (baseado em “Uma Breve História do Brasil”).

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“Judeu com a Torah”, de Marc Chagal.

 

 

 

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