O medo da mulher insaciável

O domínio da sexualidade feminina era sempre da “outra”, da “mulher bonita”, da cortesã ou… da louca, da histérica. Os estudos sobre a doença mental, monopólio dos alienistas e a criação da cadeira de Clínica psiquiátrica nos cursos da faculdade de Medicina, desde 1879, acabaram por consagrar a ética do bom e do mau comportamento sexual. Estes eram tempos em que médicos importantes como Dr. Vicente Maia, examinavam mulheres cujas infidelidades ou amores múltiplos se distanciavam da ordem e da higiene desejada pela ordem burguesa que se instalara nos centros urbanos. Os médicos começavam a delinear o perfil do que chamavam a “mulher histérica”, tendo se tornado moda entre as de elite, “ataques” quando da saída de um enterro ou da chegada de notícia ruim.

A mulher tinha que ser naturalmente frágil, bonita, sedutora, boa mãe, submissa e doce, etc. As que revelassem atributos opostos seriam consideradas seres antinaturais. Partia-se do princípio que, graças à natureza feminina, o instinto materno anulava o instinto sexual e consequentemente, aquela que sentisse desejo ou prazer sexual seria inevitavelmente, anormal. “Aquilo que os homens sentiam”, no entender do Dr. William Acton, defensor da anestesia sexual feminina, só raras vezes atingiria as mulheres, transformando-as em ninfomaníacas. Ou, na opinião do renomado Esquirol que tanto influenciou nossos doutores: “Toda a mulher é feita para sentir, e sentir, é quase histeria”. O destino de tais aberrações? O hospício.

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Entre alienistas brasileiros associava-se diretamente a sexualidade e a afetividade. O médico Dr. Rodrigo José Maurício Júnior, na primeira tese sobre o tema, apresentada na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1838, não hesitava em afirmar: “As mulheres nas quais predominar uma superabundância vital, um sistema sanguíneo, ou nervoso muito pronunciado, uma cor escura ou vermelha, olhos vivos e negros, lábios de um vermelho escarlate, boca grande, dentes alvos, abundância de pelos e de cor negra, desenvolvimento das partes sexuais, estão também sujeitas a sofrer desta neurose”. E ele não estava só.

Muitos mais pensavam que a histeria era decorrente do fato de que o cérebro feminino podia ser dominado pelo útero. Júlio Ribeiro, em seu romance naturalista A carne, de 1888, põe na boca de um dos protagonistas, Barbosa, a certeza de que fora deixado por sua amante, Lenita, pois esta, possuidora de um cérebro fraco e escravizado pela carne tornara-se histérica. Na versão de outro médico, o Dr. Henrique Roxo, a excessiva voluptuosidade da mulher era facilmente detectável por um sintoma óbvio: “eram péssimas donas de casa”.

Das teses de medicina, ao romance e destes para as realidades nuas e cruas do Hospício Nacional dos Alienados, a verdade era uma só: a sexualidade feminina era terreno perigosíssimo e era de bom tom, não confundi-la com sentimentos honestos. A iniciação a práticas sexuais seguidas do abandono do amante levava à degeneração. Acreditava-se que, uma vez conhecedora de atividades sexuais, as mulheres não podiam deixar de exercê-la, como vemos no romance de Aluísio de Azevedo, Casa de Pensão: viúva, Nini, passa a ter sintomas de histeria. A não satisfação do desejo sexual cobrava um preço alto. A paixão por outros homens que não o marido, ou seja, o adultério, também aparecia aos olhos dos médicos como manifestação histérica.

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Perseguiam-se as histéricas e ninfômanas. Debruçados sobre a sexualidade alheia, examinando-a em detalhes, os médicos, por sua vez, acabam por transformar seus tratados sobre a matéria, no melhor da literatura pornográfica do período.

– Mary del Priore

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Ofélia, de John Everet Millais (1851-52): amor e loucura.

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