A Morte “Barroca”

O famoso jesuíta português Antônio Vieira (1608-1697) escreveu três belíssimos sermões para serem pregados na Quarta-feira de Cinzas, que foram reunidos por Alcir Pécora, no livro “A Arte de Morrer”, (Nova Alexandria, 1994)

Os dois primeiros sermões foram escritos em 1672 e 1673, respectivamente, durante a estada de Vieira em Roma. O objetivo real da viagem era conseguir uma revisão da sentença aplicada a ele pelo Santo Ofício, que o acusara de heresia e judaísmo. No entanto, a sua missão oficial era defender a canonização do jesuíta português Inácio de Azevedo e seus 39 companheiros, flagelados e lançados ao mar por corsários calvinistas, em 1570. Logo, a beleza de seus sermões o torna muito prestigiado em Roma, cidade que vivia o esplendor barroco.

Em 1675, Padre Vieira retorna a Lisboa, onde não desfruta mais da influência e da intimidade com o poder. Durante este período difícil que o terceiro Sermão da Quarta-feira de Cinzas é escrito. Em 1681, embarca para o Brasil, desgostoso do tratamento frio dispensado a ele por D. Pedro, que o excluía dos assuntos de Estado. Os sermões apresentados, apesar de os diferentes “engenhos” utilizados, tem em comum a presença do desengaño, lugar-comum na sermonária seiscentista e um tema estreitamente ligado à morte barroca. Vieira chama a atenção para os enganos do mundo – a ilusão da eternidade e da autonomia – que, por meio da lembrança constante da morte podem ser evitados pelo homem.

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No primeiro sermão de Cinzas, o pregador propõe um mistério: como o homem pode ser pó, enquanto ser vivente e pensante? A solução é apresentada após uma série de indagações e argumentações que reforçam o caráter enigmático da questão. O homem é pó porque foi feito do pó e, após a morte, voltará a sê-lo.

Vida e morte, nesta perspectiva, não possuem diferenças. O que existe na vida é apenas engano e vaidade. A existência caminha invariavelmente para a morte, onde tudo se desfaz: riquezas, vaidades, glórias. Viver, então, seria se preparar para morrer, por isso, é inútil correr atrás dos enganos do mundo, que de nada adiantariam na hora do Juízo Final. – Márcia Pinna Raspanti

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Vieira falando aos índios.

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