As mães escravas, na sua grande maioria amantes passageiras, não tinham
seus nomes lembrados e, estando ausentes da documentação, não permitem que
sondemos se foram lembradas em vida por seus senhores. Quanto a seus filhos,
não se sabe tampouco se, em algum momento, foram recompensados ou, se concebidos sob coerção e violência, coube-lhes apenas o esquecimento por terem
nascido escravos.
O que se pode supor é que tais maternidades se engendravam a contragosto,
por apavorado constrangimento; mas é possível também que existissem certas
retribuições por serviços sexuais. Os benefícios de tantos sacrifícios eram bem
poucos. Mais além do sofrimento imposto pela condição mesma do escravismo, as
gratificações simbólicas que uma mãe negra poderia auferir equivalem a um triste
esgar: o status de ser concubina de um homem branco, os filhos de pele mais clara
e, por fim, a possibilidade mais concreta de liberdade.
Mott cita o caso da escrava Maria do Egito, mulata de trinta anos, pertencente a Evaristo José Santana que assim respondeu ao libelo da devassa efetuada no sul da Bahia em 1813: “sob promessa de se libertar deixou-se levar de sua virgindade por amor único de gozar esse bem maior […] a Liberdade”. Passada a carta de alforria, seu senhor “a teve por barregã por mais de 14 anos”.
Para cada concubina libertada (bem diz Gautier) várias mulheres eram violentadas. A maternidade de escravas acentuava o caráter de exploração física que sofreram tais mulheres. Seu sexo era utilizado para o desfrute e o prazer, mas também para a reprodução, pois os filhos de escravas não deixavam de significar um investimento para os seus senhores. Estas eram as relações feitas de prazer e serviços e que, quem sabe, incluíam afeto por ocasião das gestações.
A partir do século XIX, mães negras foram alvo de uma política natalista à base
de um discurso para fazê-las desejar a maternidade. J. M. Imbert, médico francês
que escreve aos fazendeiros brasileiros sobre como tratar esses “indispensáveis ao
trabalho da terra”, sugeria um prêmio para aquelas que “levassem com felicidade a
cabo sua gravidez”, repetindo as admoestações de Fénelon e Raynal, cujas diretrizes encontraram receptividade entre os planteurs antilhanos no século XVIII.
Nas ilhas de colonização francesa, fazendeiros impediam as suas negras grávidas
de carregarem fardos e tratavam os recém-nascidos infectados pelas doenças
venéreas de suas mães.Filhos e netos bastardos e ilegítimos traziam ainda para dentro dos fogos todo um complexo universo de relações e sentimentos maternais. Madrastas ou mães substitutas compadeciam-se e cuidavam dos “filhinhos” de outros ventres, deixando entrever que o exercício da maternidade no período colonial se concretizava na prática de mulheres e crianças unirem-se por melhores condições materiais de vida. Foi movida por essa mentalidade que, em 1756, na vila de São Sebastião, São Paulo, Catarina Gonçalves de Oliveira defendera seu enteado. Ela conta ao longo de seu processo de divórcio “que, pretendendo o réu seu marido castigar a um filhinho natural que houve antes de casar, por ter então o vício de comer terra, […] acudindo a autora ao dito menino” acabou levando “uma chicotada” endereçada à criança.
Solitárias e amalgamadas às suas proles, as mães resistiam à violência, mas,
sobretudo, à solidão, este sério percalço inerente às migrações masculinas que aumentaram a partir do século XVIII em função da descoberta do ouro. Desamparadas ou ‘deixadas’, vivendo da rotina do comércio de gêneros, da prestação de serviços, as mulheres tentavam romper as barreiras da pobreza e do isolamento, valendo-se para isso do círculo de comadres e vizinhas.
Filhos ilegítimos podiam crescer e eventualmente tomar-se alvo do amor das
legítimas esposas de seus pais, quando suas mães biológicas não se interpunham
entre o casal legítimo. Caso contrário, o que se registrava era o ódio declarado à
rival e a percepção dos filhos bastardos como um agravante da ‘má conduta’ do
marido.
Nesse quadro de solidão e abandono em que vivia grande parte das mulheres na
Colônia, os filhos eram o que, muitas vezes, de mais valor sobrava para as mulheres que tentavam escapar de uniões incertas. Uma senhora da freguesia de Santo Amaro, São Paulo, fora depositada em casa de seus parentes “apenas com seu filho menor de ano e meio chamado Salvador, e unicamente com a roupa ordinária e caseira do corpo”.
A solidão habitava não apenas o interior de lares, mas também pairava como uma
ameaça de maridos coléricos que, não satisfeitos em terem abandonado suas esposas, queriam interromper seus vínculos com a comunidade, e, para tanto, atacavam a sua reputação.– Mary del Priore, “Ao Sul do Corpo”.
Marcia. Meus parabéns pela qualidade do texto. Mas, ainda hoje, tem gente que acha que nada aconteceu. Que aquele comportamento era natural, para a época.
Obrigada, Juarez. Estudar a História é fundamental para a construção da cidadania.
Excelente texto!
Terrível a situação destas mães! Obrigadas a aceitar o assédio em favor da liberdade de seus filhos. Um jogo onde se perdia sempre! Como pode uma geração começar bem desta forma? Impossível é isso que as gerações atuais devem saber para acabar com o preconceito atual, pois estas gerações começaram expropriadas de tudo, sempre lutando para sobreviver! Merecem nosso apoio e respeito!
Parabéns pela iniciativa!!! Precisamos mesmo de muita história para compreendermos as nossas mazelas e flores.
Gostei muito, a solidão, descaso, abandono, quanto sofrimento!
Eu gostaria de ter uma ideia de como era tratado o aborto neste contexto!
Paulo, já publicamos alguns textos no blog sobre o aborto ao longo da História do Brasil. Por ser um tema muito importante, voltaremos a tratar dele em outras oportunidades. Obrigada pelo seu comentário!