A indumentária masculina no período colonial era um mosaico variado e refletia os inúmeros contrastes e contradições da sociedade: luxo e ostentação, lado a lado com a miséria. E todas as incongruências trazidas pelo modelo europeu de sociedade que foi imposto por aqui iriam permanecer durante os próximos séculos. Em “Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes”, Júnia Ferreira Furtado descreve os preparativos do jovem João Fernandes, recém-nomeado desembargador na região, para circular pelas ruas do Tejuco e impressionar a elite local:
“A primeira peça em que o ritual em que o vestir-se consistia era a ceroula, seguida de camisa branca de linho com babados, de calção ou calça e meias finas de seda. Por cima, usava-se uma casaca de droguete preta, vermelha ou azul, ou um fraque de baeta, veludo ou seda. Por fim, um casacão ou capote com mangas, quase enrolado ao corpo. Os adereços eram variados: pescocinho (gola branca usada pelos membros do clero); no bolso, lenço de seda com babados, outro azul para o tabaco; cabeleira, chapéu com presilha e pluma; a cruz da Ordem de Cristo pendurada ao pescoço; sapatos com fivela de prata e ouro, bengala de tartaruga com castão de ouro ou prata e anéis de pedras preciosas. Na algibeira, faca e espadachim com cabos de prata, além das pistolas”.
Neste contexto, em que os poderosos – e aqueles que tentavam aparentar que o eram – precisavam demonstrar por meio de sinais exteriores todo o seu cabedal, não é de se estranhar que a maior preocupação com relação à aparência era direcionada para os locais públicos. As roupas luxuosas, joias e demais assessórios eram reservados para sair às ruas, ir às missas, às cerimônias, em resumo, para aparecer em público. Quando estavam em casa, os brasileiros eram considerados desleixados. Os homens dispensavam as meias ou as usavam caídas, a camisa branca ficava para fora dos calções, sem coletes, casacas ou capas. Alguns trajavam uma jaqueta fina ou gibão; outros, apenas ceroulas e camisa. As mulheres também simplificavam bastante a vestimenta caseira, usando apenas uma espécie de camisolão de tecido fino, conhecido como “timão” ou lava-peixe”.
O vestuário era uma forma dos mais abastados mostrarem seu poder e marcarem a distância que os separava da população pobre, mestiça e escrava. A “arraia miúda” esforçava-se para imitar a elite, endividando-se para adquirir roupas de tecidos nobres, joias, escravos e outros luxos. Os “homens mecânicos” ou trabalhadores usavam basicamente calças e camisas de algodão e tecidos grosseiros, chapéus de palha ou lã, e andavam quase sempre descalços ou com rústicas botinas. Os mais pobres que residiam nas vilas e cidades tinham o costume de vestir peças de tecido nobre – casacas, coletes, capas – já usadas e gastas, muitas vezes obtidas como pagamento de seus serviços. Havia grande variedade no vestuário das classes mais baixas, de acordo com a ocupação e o local onde residiam. Tropeiros, pequenos comerciantes, negros forros, lavradores, vadios – cada um se trajava como suas parcas posses permitiam.
A situação dos escravos era ainda mais precária e a maioria andava quase nua. Aqueles que trabalhavam no campo cobriam-se com peças de tecido grosseiro e andavam sempre descalços. Na senzala, vestia-se geralmente apenas uma camisa longa, calções ou ceroulas. Os cativos que trabalhavam na casa-grande recebiam um guarda-roupa um pouco mais completo, com calças e camisas de tramas grosseiras, como o “pano da serra”. Os indígenas ou “negros da terra” que trabalhavam nos engenhos se vestiam praticamente como os africanos.
Nas cidades, a situação dos cativos era um pouco diferente. O número de escravos que uma pessoa possuía, até o século XIX, era considerado pelos brasileiros um sinal de nobreza. Os nobres não faziam qualquer trabalho braçal ou mecânico. Além do vestuário, das joias e das carruagens, era fundamental para os cidadãos mais ricos circularem pelas ruas cercado por um cortejo de servos, de preferência bem vestidos. Assim, pajens e mucamas costumavam usar roupas à maneira europeia: vestidos, calções, casacas, librés, coletes, camisas e chapéus, alguns traziam sapatos ou chinelos. Os mais pobres poupavam dinheiro para comprar pelo menos um escravo e assim provar que sua posição social era mais alta.
A indumentária fazia parte de uma série de normas e exigências a que os homens, principalmente os da elite, eram submetidos para serem respeitados pelos que os cercavam. Eram-lhes cobradas elegância, educação, inteligência, fortuna, cultura, oratória, boa aparência e virilidade. Quem não conseguia atender a todos estes quesitos, sofria com a desaprovação dos outros.
– Texto de Márcia Pinna Raspanti.
Escravos vestidos com librés, Carlos Julião.
Referência Bibliográfica:
“O que ‘eles’vestem”, de Márcia Pinna Raspanti. IN: “História dos Homens”, Mary del Priore e Márcia Amantino (organização). Editora Unesp, 2013.