Mães, feministas e trabalhadoras

“Mãe! Esta, ó mulheres, esta é a um só tempo a vossa mais doce, mais nobre, mais relevante obra a cumprir. Ser mãe no sentido moral, não consiste em se ter filhos, mas em saber educá-los, procurando desenvolver convenientemente seus corações, dirigir as suas boas disposições, pôr todo o cuidado nessa plantinha que o Ser supremo vos confia, e de desembaraçá-las das ervas daninhas que desabrocham ao seu redor. Assim que começar por vós esse nobre ministério, se quereis bem exercitá-lo, deixai todo o frívolo prazer do mundo [pois esse] não poderá jamais oferecer-vos um só daqueles momentos de inefável felicidade que está ao lado do berço de um bebê”.

Quem fala é a primeira feminista brasileira, Nísia Floresta, num texto mítico, Cintilações de uma alma brasileira, de 1859. Segundo ela, a maior opressão a que se submetia a mulher brasileira era a falta de instrução, numa atitude deliberada dos homens, que as oprimiam por sabê-las superiores! Nísia colocava a educação feminina como instrumento de melhoria moral da sociedade. Tinha razão.

Outra voz:

“A maternidade é um instinto, que brota naturalmente de cada mulher, precisando antes ser sufocado nos seus impulsos de exagerada ternura, do que desenvolvido por meio de teorias e discursos eloquentes. É até uma forma de egoísmo observada em criaturas más, que de outra forma não sentiriam o doce palpitar da afeição humana. Mas o filho representa um pedaço delas mesmas, feito com seu sangue, continuação de sua existência – e a mulher ruim, a ladra, a vagabunda até a assassina adoram o seu pequeno tão ardentemente como qualquer alma transcendental. É uma posse animal, espontânea, muito forte, que vem lá do fundo das entranhas femininas, e não se analisa, não se define, não se discute. É o amor de mãe. Ensiná-lo pareceria até um pleonasmo”.

O texto é de março de 1905. Escreveu-o para A Semana a escritora Carmem Dolores, nom de plume de Emília Bandeira de Melo, autora de crônicas para O País, importante diário da República Velha, para o Jornal das Senhoras e o Correio da Manhã. Marcando presença num território exclusivamente masculino, ela fez parte das pioneiras que lutaram pela educação da mulher, sendo a favor do divórcio e do sufrágio feminino. E prosseguia com ideias consideradas escandalosas no início de século, antecipando conquistas que só viriam nos anos 1980: “O casamento representa uma experiência, bem ou malsucedida. A maternidade é uma aliança de doçuras e amarguras e o divórcio, uma necessidade”.

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Outra figura notável do nascente feminismo foi Maria Lacerda de Moura. Focada em conscientizar as mulheres de sua condição de servidão à família, de reduzir-lhes o peso das superstições sobre a sexualidade e a tendência de conservar-se “caladas e sofridas”, publica, em 1932, Amai… e não vos multipliqueis. Nele afirmava:

 “A família verdadeiramente constituída será a que se basear na Maternidade consciente, na livre escolha da mulher escolher o pai para os seus filhos, ou o companheiro do seu amor. Essa é que há de ser a base das relações sexuais do amor no novo ciclo da evolução humana […] E um e outro pensador (e já são muitos) e algumas mulheres heroicas reivindicam para a mulher o direito e o dever de se ser mãe fora da lei e das convenções sociais”.

Não lhe escapava a política de expansão demográfica desejada pelo Estado getulista, a fim de engrossar o exército brasileiro por meio de propaganda sedutora. Vivia-se o período entre as duas Grandes Guerras mundiais. Fazer filhos para a pátria? Não, respondia. As mulheres não deviam se prestar a produzir “buchas de canhão”: “Mas a expressão usada na literatura, no jornalismo, na cátedra, no púlpito para dourar a pílula engolida pela idiota milenar, não será ‘fabricar carne para canhões’”, ela admoestava, “e sim, fala-se na ‘maternidade sagrada’, ‘direitos das mães’, ‘deveres para com as mães’, ‘dia das mães’, ‘rainha do lar’, ‘educadoras dos cidadãos de amanhã’, todas essas chapas convencionais a fim de arrastar a deusa e santa, através dos filhos para o açougue canibalesco…”.

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Neomalthusianismo e pacifismo andavam de mãos dadas em seus textos. Trabalhar pela paz em tempos de fascismo, não fazer filhos para a guerra, exigir melhores condições para criá-los e, sobretudo, tirar dos ombros das mulheres, principalmente das pobres, a responsabilidade da sobrevivência da família eram sua bandeira. De enorme atualidade, aliás…-Mary del Priore

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Uma das pioneiras do feminismo no Brasil: Nísia Floresta.

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