A professora de enfermagem da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Mariana de Oliveira Fonseca Machado, de 30 anos, morreu na terça-feira, dia 21, após entrar em trabalho de parto em sua casa, em São Carlos, no interior de São Paulo, e ser submetida, em seguida, a uma cesariana no hospital. O triste fato foi amplamente explorado pela mídia, o que inflamou mais ainda o debate em torno do parto natural e das cesáreas. Informações desencontradas ainda cercam a história, que tem sido usada para desqualificar o movimento do parto humanizado.
No Brasil, o número de cesarianas é considerado elevado. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o índice razoável de cirurgias desse tipo é de 15% dos nascimentos, mas 43% dos brasileiros vêm ao mundo por esse método (80% na rede particular). Sem entrar na discussão médica – que não é a espacialidade desse blog -, precisamos ter em mente que por milhares de anos as mulheres deram à luz de forma natural. Também é importante destacar que a cesariana é um recurso importante para determinados casos. Acredito que esse debate é mais que saudável, pois, é necessário investigar o motivo de tantas cesáreas.
E no passado, como as mulheres pariam? Nos tempos da Colônia, as parteiras e benzedeiras ajudavam as grávidas nesse momento delicado. Preces, benzeduras, ervas, talismãs e alguns ingredientes inusitados eram as armas contra a dor e o medo. Mary del Priore* nos dá mais detalhes:
“A erva-de-são-joão faz parte da receita analgésica desde tempos imemoriais. Arruda e picão, também. O chá de cordão-de-frade e agripalma, ainda hoje ingeridos, são analgésicos registrados desde o século XVIII. Patuás sob os colchões e orações a santa Margarida e a Nossa Senhora do Parto também existem desde o século XVI: ‘Minha Santa Margarida, não estou prenhe nem parida, bote-me no rol de sua escolhida!’ Vestir roupa masculina, para ‘despachar mais rápido’, é tradição portuguesa que vigora desde o século XVIII: ‘vestir a ceroula do marido e ao mesmo tempo o chapéu na cabeça da mulher às avessas’ – a autoridade masculina se faz presente para atenuar as dores da mulher; do homem depende o bem-estar dela”.
No século XIX, as grávidas eram tratadas como doentes. Eram cercadas de cuidados, superstições e restrições. Não podiam andar a cavalo, ter relações sexuais, ingerir determinados alimentos. Nem mesmo as princesas escapavam da expectativa e do sofrimento. D. Leopoldina, casada com D. Pedro I, passou por vários partos difíceis, mesmo contando com a ajuda de médicos**:
“O parto foi longo; demorou seis horas. A filha ‘tinha a cabeça grande e estava sobre a perna’ A velha cadeira onde dera à luz era desconfortável – na Europa, já se paria sobre a cama. Um cirurgião inábil a dilacerou horrivelmente. O leite logo secou. Forte e grande como uma criança de três meses, a princesa Maria da Glória de Bragança nasceu no dia 4 de abril de 1819, loura e de olhos azuis, como a mãe” .
A sua segunda experiência também foi dolorosa, principalmente porque o bebê morreria logo:
“Mais uma vez, sofreu um parto difícil. O menino só saiu até a metade do corpo sem ajuda, pois o braço direito estava à frente da cabeça. Três dias depois, Leopoldina teve uma violenta infecção, seguida de convulsões. Era jovem e se curou. Debruçada sobre o menino, cobria-o de cuidados. Mas a linda criança não durou muito. Ela já estava grávida de novo quando perdeu o filho. Vivia-se, então, a tensão que antecedeu e preparou o movimento de independência do Brasil”.
Josephina Matilde Durocher, ou Madame Durocher, como era conhecida, foi a primeira parteira “diplomada” do Brasil. Em 1834, iniciou o recém-criado Curso de Partos, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Paralelamente ao curso, completou sua formação com aulas particulares de importantes médicos da corte. Madame Durocher atendia a famílias ricas e pobres, realizando cerca de cinco mil partos em sua carreira. Não havia maternidades, e dar à luz fora de casa era visto como algo assustador. Só em caso de partos complicados. Atribui-se ao médico José Corrêa Picanço a primeira cesariana no país, realizada no Hospital Militar do Recife, em 1817 (mas há controvérsias quanto a esse fato).
A partir do início do século XIX, benzedeiras, aparadeiras e boticários começaram a ser perseguidos pelos médicos. No Curso de Partos, anexo à Clínica Obstétrica, os médicos se responsabilizavam pelo ensino e estabeleciam normas de ofício para as parteiras (embora os homens continuassem proibidos de entrar no quarto de mulheres, só sendo chamados em emergências). Para a inscrição, exigia-se que as alunas fossem alfabetizadas e falassem francês. Devido a essas e a outras dificuldades, muitas parteiras continuaram a exercer seu ofício sem diploma.
Atualmente, a profissão de parteira está voltando a ser valorizada, por causa do movimento que prega a volta do parto natural e humanizado. A doula (do grego “mulher que serve”) é outra profissional que começa a ser mais conhecida no país, pelos mesmos motivos. Enquanto a parteira cuida do parto em si e da saúde do bebê e da mãe; a doula acompanha a gestação e dá apoio emocional e físico à gestante.
É interessante notar que a concepção do parto humanizado resgata a cumplicidade feminina dos tempos antigos. Nos tempos coloniais, por exemplo, existia um saber popular em relação ao parto e à saúde feminina, que era transmitido de mãe para filha, e as mulheres ajudavam umas as outras, com velhas receitas, tradições e rezas. – Texto de Márcia Pinna Raspanti.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
* “Ao Sul do Corpo” e ** “A Carne e o Sangue”, de Mary del Priore.
Parteira em ação, no século XIX; Imperatriz Leopoldina e seus filhos.
Querida Marcia, concordo plenamente com você e, talvez, eu tenha saído do tema. Mas, realmente, por saber deste pavor que acompanha as mulheres, juntando com o que minha sogra falava e com o que eu senti na minha gravidez de gêmeos, que eu falei que é “romântico” (se usar de ironias, não gosto disso!), mas o melhor é a segurança de um hospital e um bom médico de confiança.
Todavia, é claro que as autoridades precisam regular, verificar o número imenso de cesarianas que é usual no nosso país. Também por que sabemos pelos noticiários de tantas mortes de mães e de crianças, na rede pública, quando uma simples cesariana pouparia a vida de mãe e de filho.
Oi! Boa noite! Tudo é muito romântico… Rezas, preces, simpatias… Mas como minha falecida sogra falava, que quando eu ouvi fiquei um tanto quanto apavorada, eu que estava no início de minha gestação gemelar… “Sabe minha filha, a mulher quando está esperando, quando vai parir, fica com um pé na vida e outro na morte”! Gente, e é verdade! Ah… Momento maravilhoso e aterrorizante! Enquanto meus gêmeos cresciam na minha barriga, eu me certificava cada vez mais daquelas palavras. Graças a Deus tudo deu certo e graças a Deus a medicina está avançada e temos obstetras! Parto (natural ou cesárea) só no hospital!
OI, Gisele. Acho que “romântico” não é uma palavra muito adequada. As mulheres tinham verdadeiro pavor da hora do parto, então, se apegavam ao que poderia lhes dar algum apoio ou alívio, segundo o que se acreditava na época. O objetivo do texto não é incentivar o parto em casa, mas dar uma ideia de como as mulheres de antigamente passavam por esse momento tão importante. Esse blog não é sobre medicina e não temos a pretensão de dar conselhos nesse campo. Agora, como mulher, acho importante que se discuta o número de cesarianas no Brasil – que é bastante elevado, de acordo com os critérios da OMS. Obrigada!
Na minha opinião é interessantíssimo de se ver , na Netflix, um seriado sobre este assunto: “Call the Midwife”, que se passa em Londres, na década de 50/60. Como as mulheres eram tratadas pelas parteiras durante o parto, se elas gritavam, ninguém se importava, pois todos sabiam como era difícil este momento. Aqui no Brasil, quando entramos na sala de pre-parto, a primeira advertencias das auxiliares de enfermagem é “não faça fiasco”….os médicos então… acredito que por isto a vontade de se ter de volta o parto em casa… ali a mulher é única, é o momento dela, as pessoas estão ali, por ela..