De luto pela História?

Nosso patrimônio histórico não tem verbas para sua salvaguarda; as comunidades não veem seu passado material ou imaterial como prioridade; nas escolas, faltam políticas de educação patrimonial que consolidem um modelo de cidadania cultural. O Terceiro Setor vem se batendo pelo cuidado dos bens culturais, mas, mais importante, pela consolidação de estratégias que permitam às instituições e comunidades envolvidas com o cuidado destes bens, desenvolver programas auto-sustentáveis, mas tais projetos são ignorados pelas autoridades e pela própria sociedade.
Nossos arquivos privados estão desaparecendo e muitos, municipais e estaduais, são pilhados ou abandonados pela falta de interesse em mantê-los. O descaso pela memória cria um problema para a disciplina histórica e os historiadores. Se a memória é, em última instância, a derradeira garantia de que alguma coisa aconteceu é preciso ser vigilante, pois a nossa está sofrendo negligências, abusos e fraudes. Junte-se a isto um certo estilhaçamento da disciplina histórica – disciplina, sublinhe-se que tem por encargo construir a memória. Tal estilhaçamento pode ter nascido de sua riqueza ou de sua vontade de abordar todos os domínios; todos os objetos históricos.
Da sexualidade ao esporte, do imaginário à paisagem, etc.  Historiadores têm fornecido análises muito finas, inovadoras em muitos casos, mas que fazem perder de vista o conjunto global do desenvolvimento das sociedades. Isto nos conduz a duplo luto. Luto porque os historiadores passaram a não acreditar mais nas grandes sínteses. As sínteses aparecem, hoje, como ilusórios ou impossíveis. Daí, o crescimento de abordagens que privilegiam as re presentações, a micro-história, as tensões a partir de um objeto particular cujo sentido pertence a um pequeno grupo.
A outra razão de luto diz respeito á função social de uma história que renunciou a encarar os problemas do ensino, transformando-o numa produção sem encanto. Tudo indica uma extraordinária degradação dos programas de história nas escolas, sem que seja dado um grito de alarme e resistência. Tais alunos seguem para os cursos de Humanas caminhando na direção de um futuro sem futuro. Sua empregabilidade é baixa. Sua cidadania econômica, pior ainda. E eu não tenho ouvido manifestações de grandes e renomados historiadores, em passado recente ou agora, em defesa da escola e nela, do ensino de história.
O fato é que a história escolar continua sendo feita sobre velhas fórmulas. A renovação historiográfica dentro da universidade, pouco lhe atinge. Alguns reagirão dizendo que a história feita dentro da universidade nada tem a ver com os bancos escolares; que a pesquisa de ponta não pode ser engessada pela função social de atingir os Primeiro e segundo Grau. O problema é que a história detém um saber sobre a sociedade. Se ela abandona temas centrais que dizem respeito á totalidade da história do país em detrimento de pesquisas demasiadamente particulares, ela deixa de lado a tarefa de fazer o aluno se tornar parte da vida social, privando-o de utensílios intelectuais necessários para fazê-lo adotar uma posição independente e para compreender a sociedade da qual faz parte como cidadão. Os historiadores têm dito pouco sobre como participar desta transformação.
As faculdades de história, por sua vez, não pensam um currículo capaz de inserir o aluno no mundo profissional. O inferno – o Ensino Fundamental – ou o céu – o Universitário  – parecem ser as únicas escolhas. É lamentável, pois o historiador pode estar presente em vários outros espaços: nos meios de comunicação, nos museus, nos arquivos, produzindo conteúdos para as redes de Internet, trabalhando com Turismo Cultural. É preciso pensar uma grade mais dinâmica, identificada com as reais possibilidades de inserção de tantos jovens, ao invés de cuspir anualmente milhares de formandos despreparados para o exercício pleno da profissão de historiador. No pós-graduação predominam os historiadores monotemáticos, pois os trabalhos pontuais e sem erudição não dão tempo ao pesquisador de amadurecer intelectualmente. A maioria só conhece o pequeno recorte sobre o qual braceja desde a graduação.
Tive o privilégio de sempre estar cercada de livros. Menina, ainda, herdei a biblioteca de um tio, e aí descobri o prazer das muitas viagens proporcionadas pela leitura. Não me lembro de ter frequentado casas onde não houvesse livros e a palavra estante, entrou cedo entre as minhas preocupações. Era, sobretudo, preciso “aumentá-las”. Aos sete anos, ganhei de Natal as obras completas de Monteiro Lobato. Aos 10, Eu lia tudo o que me caía nas mãos, inclusive os chamados autores proibidos: Jorge Amado ou Henry Miller, motivo, certa vez, de suspensão escolar. Penso que mais do que simplesmente ensinar palavras e sons, a leitura ensina um sentido para o texto. Considero a leitura absolutamente fundamental para a educação em qualquer idade: mesmo crianças muito pequenas podem e devem manusear livros. Penso, contudo, que a presença de pais leitores é fundamental. Deve haver o envolvimento de toda família e do ambiente escolar. Pais podem inscrever seus filhos na biblioteca municipal ou ler junto com eles. Mas é preciso a participação de professores leitores, também. A grande escritora infanto-juvenil Ana Maria Machado, costuma dizer em suas palestras que o maior problema hoje, são os professores que não lêem e não podem transmitir para seus alunos a paixão pelo livro. Para a disciplina da História, considero a leitura de obras de literatura fundamental.É uma maneira eficiente de se “entrar no tempo” e conhecer a história cultural d e um grupo, povo ou país.

A História tem um compromisso com a responsabilidade, a exigência ética e a vontade de verdade na transmissão dos conhecimentos. Junto a essa “exigência de verdade”, os valores do humanismo e a busca de um sentido para a coletividade sinalizam a presença dos historiadores na cena intelectual. – Texto de Mary del Priore.

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“Mulher chorando”, de Cândido Portinari.

3 Comentários

  1. Samuel Albuquerque

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