Em 1917, a Revolução Russa derrubou a monarquia e colocou no poder o partido bolchevique. O tsar Nicolau II, viveu em prisão domiciliar com a família. A História nos conta que na noite de 16 para 17 de julho de 1918, o tsar, a imperatriz Alexandra e seus filhos – Olga (22 anos), Tatiana (21 anos), Maria (19 anos), Anastásia (17 anos), e Alexei, o herdeiro (13 anos) – foram executados pelos bolcheviques. O historiador Marc Ferro contesta a versão oficial em um livro fascinante, apoiado em ampla pesquisa documental. Em “A Verdade Sobre a Tragédia dos Romanov” (Editora Record, 2017), o autor destaca que há vários pontos obscuros na narrativa oficial: juízes e testemunhas vítimas de morte súbita ou simplesmente executados, documentos falsificados, peças do dossiê de instrução que desaparecidas, testes de DNA controversos.
Ferro defende a tese “sacrílega”, como ele mesmo define, de que apenas o tsar teria sido executado, enquanto que a esposa e as filhas teriam sido salvas graças a um acordo secreto entre os bolcheviques e os alemães. A incógnita é o destino do herdeiro, Alexei, cujo rastro não pode ser seguido por falta de fontes documentais. O historiador mostra os interesses políticos que levaram a versão do massacre de toda a família imperial a ser aceita como verdade incontestável – apesar das inúmeras especulações e boatos que cercam o episódio. O que teria levado os bolcheviques a assumir o assassinato dos Romanov, além de afastar o fantasma de uma restauração do poder monárquico, teria sido o fato de o partido ter feito um acordo sigiloso com os alemães. “tornou-se difícil explicar para a opinião pública, globalmente germanofóbica, que o regime assassinara um tsar russo e poupara as alemãs”, diz Ferro. O próprio Nicolau dizia que não aceitaria ajuda dos alemães.
O autor complementa: “Para os Brancos, era conveniente preservar a herança material (tesouro dos Romanov) mas também simbólica de uma dinastia com mais de 3 séculos de idade, mesmo ao preço de maquiar a verdade e fazer acusações que tinham o leve mau cheiro do caso Dreyfuss. Do lado dos comunistas, era preciso, a qualquer custo, salvar a honra revolucionária do regime”.
- Texto de Márcia Pinna Raspanti.
SOBRE O AUTOR: Especialista em história europeia do início do século XX e em história da Rússia e da União Soviética, Ferro é diretor acadêmico da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, co-diretor da revista Les Annales e co-editor do Journal of Contemporary History, e autor de livros como “A Grande Guerra”, “A Revolução Russa de 1917” e “A Reviravolta da História – A Queda do Muro de Berlim e o Fim do Comunismo”.