As diversas revoltas e o antilusitanismo demonstraram sua força, na primeira metade do século XIX e deram argumentos para os que defendiam a centralização do poder como garantia de unidade do império. A monarquia federativa seria a única fórmula para lutar contra as tentações do separatismo. Além disso, a participação popular com mestiços, índios e escravos, causavam grande medo e pertubação entre as elites. A mais assustadora, foi sem dúvida, a revolta dos Malês, na Bahia em 1835.
Organizada por muçulmanos, principalmente de origem ioruba, chamados nagôs na Bahia, ficou conhecida como Revolta dos Malês – o termo malê deriva de imale, que significa muçulmano em ioruba, como explica o historiador João José Reis. Na madrugada de 25 de janeiro de 1835, Salvador acordou em pânico. Cerca de 600 revoltosos deixaram a capital da província em polvorosa. Eles faziam parte dos 42% da população da cidade que era escrava. A maioria dos africanos era nagô.
Naquele ano, aliados a outros que vieram da região dos engenhos, escravos e libertos da cidade decidiram se rebelar. O que pretendiam, caso se saíssem vitoriosos, não se sabe. Certo, diz Reis, era que a Bahia malê seria uma nação controlada pelos africanos, tendo à frente os muçulmanos, talvez um califado ortodoxo ou um Estado no qual o paganismo predominante entre os africanos fosse tolerado. De toda maneira, não foi um levante sem direção, um espasmo social produto do desespero, mas um movimento dirigido à tomada do poder. Os malês foram os responsáveis por planejar e mobilizar os insurretos. Suas reuniões eram uma mistura de exercícios corânicos com leitura e escrita, rezas e conspiração. O próprio levante aconteceu no final do mês sagrado do Ramadã, o nono do calendário muçulmano.
Os malês foram às ruas com roupas islâmicas e amuletos protetores feitos de cópias de rezas, de passagens do Alcorão e de bênçãos de líderes espirituais. Cientes de que constituíam minoria na comunidade africana, eles não hesitaram em convidar escravos não muçulmanos para o levante. Vencidos, porém, pelas forças da ordem, dezenas de africanos foram condenadas às penas de açoite, prisão, degredo e morte.
As revoltas regenciais mostraram que foi preciso um pacto entre os grupos dominantes até para evitar que “o populacho” e os escravos tomassem em armas. Eles tinham medo dos “debaixo”! A monarquia e o poder moderador foram aceitos havendo alternância de poder entre os partidos. Pouco a pouco, o país se acalmou. O temor e o derramamento de sangue estancaram. Gente brasileira, gente cordial? Não. A palavra nem constava do vocabulário. Talvez “corda” ou “prudente. Voltava, assim, a velha ordem em que poucos mandavam e muitos obedeciam ou, porque “cordatos”, fingiam obedecer. Sob o signo da negociação e do fantasma dos conflitos, foi tempo de voltar ao trabalho, ao ganha-pão.
- Texto de Mary del Priore. Adaptado de “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)”, que será lançado no próximo mês.
“Escravo Muçulmano”, de Debret.
No Responses