Por Natania Nogueira.
Nós últimos dias, tenho lido e escutado opiniões assustadoras sobre o magistério e sobre os profissionais da educação, seja por membros do governo ou por apoiadores. Fico assustada porque não me encaixo no perfil que eles traçam dos professores brasileiros. Aliás, se o profissional do ensino que vem sendo descrito, esse monstro sem ética e sem caráter que impõe aos alunos sua forma de pensar, dominasse o cenário educacional, eu seria a primeira a denunciar.
Mas justiça seja feita, se o clamor dos últimos meses e os ânimos ainda acirrados pelo pleito eleitoral estão fazendo com que as pessoas se exaltem nas suas opiniões, a verdade é que não é de hoje que a imagem do profissional do ensino vem sendo atacada no Brasil. Não foi o atual governo que começou a denigrir o magistério, nem acho que com ele virá a solução para isso.
Em novembro de 2018, o resultado de uma pesquisa realizada em 35 países revelou que o desempenho dos alunos está ligado à forma como a sociedade vê e remunera seus professores. O Brasil ficou em último lugar. Não chegamos a este ponto apenas de um dia para outro. Ser professor no Brasil não é exatamente a profissão almejada pela maioria dos jovens e nem todos os professores querem realmente estar na sala de aula.
Em 28 anos trabalhando como professora, conheci bons e maus profissionais. Dei meus tropeços e acho que aprendi com a maioria deles. Já me deparei com situações de todo o tipo, nas quais pude ter a experiência de contar com o apoio de bons profissionais e também de ser desestimulada por profissionais ruins. Deixe-me falar aqui um pouco sobre isso.
No ano de 2006, me exonerei do cargo de professora do Estado, em uma escola de referência. Na época, eu tinha 15 anos de magistério. A razão que me levou a isso foi um episódio envolvendo um colega de trabalho. Durante uma reunião, dei uma sugestão sobre um projeto (que implantei em outra escola no ano seguinte). Um professor socou mesa e gritou as seguintes palavras: – Se você quer mais serviço, arrume um marido e um tanque para lavar roupas!
Nunca esqueci essas palavras e o fato de que ninguém, nem a diretora, me defendeu. Eu literalmente adoeci e, por conta disso, perdi a vontade de trabalhar para o Estado. O ambiente de trabalho daquela escola em particular também não ajudou.
Mas não abandonei o magistério, continuei na minha outra escola, onde permaneço até hoje. De lá tenho um testemunho diferente. É uma escola de periferia, que atende a uma população mais carente do que as outras em nas quais eu trabalhei. Muitos dos nossos alunos e alunas estão constantemente em risco, seja pela falta de recursos ou pelo próprio ambiente que vivem. Já tive alunos com todo o tipo de problemas e de lá eu tirei as maiores lições de toda a minha vida.
Aprendi a me doar e a ser sensível ao sofrimento alheio. Eu me tornei uma pessoa melhor e, acredito, uma profissional melhor. Trabalho muito, mas recebo e dou carinho na mesma medida. Testemunhei a mudança de alunos que não tinham perspectivas de futuro conseguirem vencer os desafios da vida. Vi professores, diretores e especialistas amparando famílias, tanto materialmente quanto psicologicamente. Eu sei de alunos que hoje são pessoas com uma profissão e uma família que, se não fosse a escola e os professores, estariam ou mortos ou na sarjeta. Perdemos alguns, mas salvamos muitos.
E sempre tivemos uma boa relação com os órgãos de segurança pública. Ao fazermos nosso trabalho na escola, estamos ajudando, por exemplo, a polícia militar a fazer o dela. Quem está na escola, está longe da vida do crime. Claro, não podemos ajudar a todos, mas cada um que segue em frente é uma pequena conquista.
Existem bons e maus profissionais, no magistério e em outras funções. Mas a escola ainda é um suporte fundamental para a sociedade, e o professor uma peça indispensável para a formação de nossos jovens. Toda essa demonização baseia-se num processo antigo de desqualificação do professor, a partir do exemplo de péssimos profissionais e da ausência de políticas realmente comprometidas com a valorização do magistério.
Acredito que investir em formação, valorização e ética é o que precisamos. Perseguir toda uma classe profissional tendo em vista uma minoria ou uma visão limitada do que é o dia a dia de uma escola só faz justificar o atraso do Brasil em relação a outras nações. Acho que é necessário largar de lado todo o preconceito e as informações deturpadas que chegam todos os dias, e muitas delas nem são verdadeiras, e refletir seriamente sobre o futuro que queremos para nosso país e papel que a escola tem na sua construção.
– Natania Nogueira é professora e doutoranda em História, colaboradora do blog HistóriaHoje.com e autora do blog História do Ensino
