A casa mal-assombrada e o gato preto

         Noite de sexta-feira 13, ocasião perfeita para contar histórias de terror ou sobrenaturais. Esse relato extraído do livro “Do Outro Lado”, de Mary del Priore, tem todos os ingredientes para assustar os mais supersticiosos: casa mal-assombrada, fantasmas, ruídos estranhos e até um gato preto – que costumava ser associado a aparições do outro mundo e a feiticeiros. Confira:

 

         Em agosto de 1886, a Gazeta de Notícias dava aviso de uma casa amarela, “na florescente vila de Santo Amaro, celeiro da capital paulistana, onde o vulgo afirmava haver bailes desenfreados às sextas–feiras nos quais dançava uma mulher muito magra e muito pálida de longos e desgrenhados cabelos até a meia-noite”.

        A partir do mês de junho de 1889, quase diariamente, o mesmo jornal noticiou os eventos ocorridos na casa de número 4 na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, no Rio de Janeiro. O que era boato passava a fato. À noite, trilavam apitos sem que se identificasse de onde vinham. Um operário que atravessou os portões viu surgir o fantasma de uma mulher que passou por ele voando. A quem reagisse à sua aparição, ela tapava o rosto do transeunte com uma mão fria como gelo e o cobria de bofetões antes de sumir. Pela rua onde ficava a casa, cruzava um cavalo preto com seu cavaleiro igualmente vestido de preto e se
esvaeciam na terra. Sinistro. Do forro do sobrado, escapavam chamas azuis e amarelas que se moviam, acendiam e apagavam sozinhas. As madeiras rangiam. O cheiro de enxofre invadia o ar e certa voz lacrimosa perguntava: “Céticos, que vindes fazer aqui?!”. Um gato preto, grande como um cão, fazia “artes do demo”. As coisas extraordinárias que emanavam da casa reuniram tal tumulto de gente que os praças do Colégio Militar foram obrigados a interferir.

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No dia seguinte, comentava o jornal:

O estranho caso tem sido ultracomentado. Espíritas, hipnotistas,
videntes, sectários de Mesmer, medrosos de almas do outro
mundo, gaiatos e crédulos têm concorrido com seu contingente
para, cada vez mais, obscuro e incrédulo tornar o assunto.

Ao passar na frente da casa, gente do povo rezava uma quadrinha que dizia:

A bruxa da mão furada
das unhas escarrapachadas
cada casa tem quatro cantos
cada canto tem seu santo
Pai, Filho e Espírito Santo

         Quem teria morado ali? Um chapeleiro bizarro que pedia a quem passasse que tirasse o chapéu. O aspecto sombrio e misterioso da casa a tinha transformado numa “esfinge para os crédulos”. Pediu-se até ao jornal católico O Apóstolo para que elucidasse o caso que poderia se prestar a um exorcismo. “Casos mais ou menos tétricos têm vindo à luz da publicidade”, martelava a Gazeta. O número de casos sobrenaturais era tão grande que “raro é aquele que se possa gabar de não ter esbarrado nestes últimos dias com uma meia dúzia de almas do outro mundo”. E almas tão insistentes quanto irascíveis credores. Entusiastas do fenômeno da casa mal-assombrada inundavam a redação com cartas.

  • Texto de Mary del Priore.

Caspar David Friedrich - Cemitério

“Cemitério”, de Caspar David Friedrich.

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