Vinho, aguardente e amores proibidos

            Se até o século XVIII foi considerado saudável remédio contra vermes, mal da vista e erisipela, a aguardente passou ao index dos médicos. Só bebida com moderação era útil, sobretudo para os velhos cujos órgãos aquecia. Em excesso, fazia perder a razão e os sentidos: “Que fraqueza! Que tristeza! Que palidez! ” – Pontuava o médico mineiro Francisco de Mello Franco, vituperando contra a bebedice. Beber em demasia passou a ser problema moral. A embriaguez fora de controle era capaz de gerar “furores e ímpetos perniciosos”, levando seu adepto a homicídios, adultérios e ladroagens. Tornada “vício”, a cachaça teve, porém, seu consumo embalado pelo comércio transatlântico de destilados e a modernização das garrafas. Antes em forma de cebola, agora, tinham formato de bastão podendo ser empilhadas umas sobre as outras, para a alegria dos comerciantes e dos “viciosos” consumidores!

           Na defesa dos comportamentos moderados, os médicos davam largas à imaginação. Um remédio eficaz, por exemplo? A cabeça de um cordeiro lanudo, uma mancheia de cabelos humanos, uma enguia com seu fel, tudo levado ao forno até torrar. O pó resultante devia ser misturado à bebida. “Tiro e queda!”

          O vinho português reinou absoluto por século. Era solicitado à mesa dos engenhos ricos e constava da hospitalidade dos conventos. Em recepções, as autoridades não economizavam o conteúdo das preciosas pipas vindas da terrinha. Vindos do Porto ou da Madeira eram oferecidos em festas de Natal e Páscoa enchendo com sua cor dourada e quente os cálices erguidos em brindes. Debret e Saint-Hilaire provaram deles. Antes dos franceses, porém, os fundadores da Austrália, de passagem pelo Rio, em 1787, estiveram a sua procura: “O vinho durante a estação em que permanecemos na cidade só era encontrado nos mercados de retalhos. […] Entre os produtos aqui disponíveis encontram-se: o açúcar, o café, o rum, o vinho do Porto…”.

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        Referindo-se aos costumes paulistas, Vilhena assim os descreveu:

“Tomam muito pouco vinho às refeições. A bebida usual é água. Em ocasiões públicas ou quando se oferece uma festa a muitos convidados, ornamenta-se a mesa suntuosamente […] O vinho circula copiosamente, repetindo-se os brindes durante o banquete que dura em geral de duas a três horas seguido de doces, o orgulho da mesa”.

          Na documentação do Santo Ofício, o capitoso vinho surge como coadjuvante nos prelúdios amorosos. Sobretudo os proibidos, aqueles praticados por sodomitas. João Freire, um jovem criado morador de Olinda, em 1595, confessou na mesa do santo Ofício, quando da Primeira Visitação em Pernambuco que indo algumas vezes à casa do sapateiro André Lessa, “por importunação e instigação do dito que o provocava, lhe mostrou seu membro viril contra sua vontade, deixando o sapateiro tomá-lo na mão e, certa vez convidou-o para jantar e comeram pão, pacovas e beberam vinho”. Em 1652, durante uma travessia transatlântica, o barbeiro André Mendes, não fez por menos: “estava cheio de vinho querendo beijar e convidando a muitos soldados para dormir junto”. E explicava sua receita infalível de sedução: “com uma peroleira de vinho e uma botija de aguardente fazia nos rapazes o que quisesse, porque o vinho e a aguardente fazem perder o juízo”.

  • Texto de Mary del Priore. “História da Gente Brasileira: Colônia”, Editora LeYa, 2016.
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Caravaggio-Bacco

“Baco”, de Caravaggio.

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