“Contrariar os mentirosos, mentindo-lhes”

       É um fato reconhecido que a tecnologia do impresso se instala tarde no Brasil. Relaciona-se frequentemente esta chegada tardia da imprensa ao atraso do letramento que adentrara o século XXI mantendo altos índices de analfabetismo que ainda continuam a caracterizar o país. Poucos conhecem a fascinante história de Francisco de Paula Brito (1809-1861), editor pioneiro do Brasil Império, que além de livros e jornais como A Mulher do Simplício (1832) e A Marmota na Corte (1849) implantou uma cultura letrada através de uma viva produção de anúncios, folhas, santinhos, estampas, marmotas e pasquins que inauguraram se não uma esfera pública, certamente um ambiente de impressos propício à circulação de frases e textos com a desenvoltura da comunicação oral. A Livraria de Paula Brito foi o berço da polêmica Sociedade Petalógica que sob o mote “contrariar os mentirosos, mentindo-lhes” semeou um debate público cético e jocoso de inédita liberdade. A partir de uma perspectiva de história material da mídia, Corpo sem Cabeça, de Bruno Guimarães Martins, faz uma análise aguda e importante do momento de inauguração de um espaço “letrado”, advindo da intersecção entre o sistema oral fortemente consolidado e as possibilidades de uma nova dinâmica gráfica que, alavancada pelo avanço da tipografia, demarcam o lugar e a particularidade do literário na instalação e no desenvolvimento da imprensa no Brasil.

“Todos são mais ou menos petalógicos: são petalógicos os ministros de estado que enganam as câmaras, e os membros das câmaras, que enganam ao povo; é petalógico o senado da câmara municipal que ilude a cidade com magníficas posturas, que ficam sempre goradas; são petalógicos os jornalistas, que inventam novidades para os seus leitores: e petalógicos são os homens solteiros, que zombam das namoradas; os casados que atraiçoam as esposas e os viúvos que esquecem os juramentos feitos às defuntas: são petalógicos os empresários e os atores, os poetas e os prosadores, os gerentes de companhias, os advogados, os diretores dos colégios, os tutores, os mestres, os discípulos, os empregados públicos, e todos os que andam de calças que vivem enganando o mundo e, o que é mais, até muitos padres, que parecem querer enganar a Deus.”

Corpo sem Cabeça

“Corpo sem Cabeça”, de Bruno Guimarães Martins

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