“Continuo em GREVE, por tempo indeterminado”

Hoje, na nossa série “Professor: conte sua história”, temos um relato de um educador de Santa Catarina que mostra bem o descaso dos órgãos governamentais em relação à educação. Sem incentivos para estudar e se preparar melhor, com salários e condições precárias, os professores seguem sua luta por mais dignidade.

Iniciei minha carreira no magistério em 2011, como professor Admitido em Caráter Temporário (ACT), após uma greve de 62 dias dos colegas professores, que obrigou o governo do estado a cumprir a Lei do Piso Nacional do Magistério, embora parcialmente. Estamos em 2015 e continuo sendo um profissional temporário segundo os critérios de admissão da Secretaria da Educação, mesmo indo para o meu quinto ano de serviço. Desde 2011, sou demitido ao final de cada ano letivo e recontratado no início do ano seguinte. Isto significa que recebo uma fração de salário no mês de dezembro e nenhum pagamento em janeiro e fevereiro. Caso um dia queira me aposentar, como qualquer trabalhador tem direito, preciso pagar o meu INSS dos meses citados por conta própria, do meu bolso.

O processo seletivo ao qual eu e meus colegas somos submetidos todo ano possui pouco ou nenhum critério sério. Nunca recebi uma avaliação do meu desempenho como docente por parte do órgão que me contrata, boa ou má. Nunca tive meus planejamentos de aula analisados pela Gerência de Educação, meus contratantes não sabem nem sequer se eu os cumpro (e os cumpro à risca). Com algumas variações, as chamadas públicas consideram apenas o tempo de serviço de cada professor, sem considerar na maioria das vezes sequer a disciplina ou área de atuação. Minha graduação em Ciências Econômicas e Desenvolvimento Regional vale tanto quanto o Ensino Médio na hora de disputar uma vaga. Para se ter uma ideia, neste ano, meu currículo, que inclui além do já citado, uma Licenciatura em História, não foi suficiente para que eu pudesse lecionar Sociologia, disciplina que vinha trabalhando desde 2012. Estranhamente a Universidade Federal de Santa Catarina me aceitou, com base neste mesmo currículo, no programa de mestrado em Sociologia Política. Incoerente, não? A propósito, como ACT, após a conclusão do mestrado, receberei R$ 0,00 de aumento, isso mesmo, nada. Não seria bom se o seu filho tivesse professores que fossem incentivados a estudarem cada vez mais? Não é o que pensam nossos governantes.

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Ainda sobre minha situação funcional, fui contratado neste ano quase um mês após o início das aulas, em uma estratégia deliberada por parte do governo de SC em fazer economia. Minha contratação estava regida pela MP 198/2015. Em meu primeiro pagamento do ano, perdi os poucos benefícios que tinha em meu contracheque até o ano passado, como a Regência de Classe (benefício aos professores que trabalham em sala de aula, que representava 25% do meu pagamento), perdi o triênio (3% de gratificação a cada três anos de tempo de serviço) e perdi aulas excedentes (gratificação por aula dada além da carga horária, um tipo de “hora extra”). Não perdi plano de saúde porque nunca tive, trata-se de um direito exclusivo dos professores efetivos. Todos esses direitos, obtidos através de muita luta por parte dos que me antecederam, entre eles meu avô e meu pai (também professores), estavam sendo revogados de uma só vez. Com a referida Medida Provisória, passava a ser um prestador de serviços horista, definitivamente fora do Plano de Carreira do Magistério de SC. A MP só foi revogada em virtude da greve iniciada em nosso estado no dia 24/03.

A resposta encontrada para toda essa situação, no governo, na imprensa e no senso comum é quase unânime. Falta dinheiro. Mas será que falta mesmo? Trabalho desde o ano passado, por esforço e mérito, numa grande instituição da rede privada, em nossa região. Uma escola que possui uma fração ínfima do orçamento da rede pública e mesmo assim consegue oferecer uma excelente estrutura de ensino, além de um grupo seleto de professores, do qual me orgulho de fazer parte. Tenho carteira assinada, férias, 13º salário e acesso ao plano de saúde. Minhas horas extras são pagas minuto a minuto. Diante de tanta adversidade é inevitável a pergunta, por que continuar? Por que não migrar apenas para o ensino privado?

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Continuo porque o país em que acredito, e luto todos os dias para construir, passa pela educação pública, gratuita e de qualidade. Continuo porque quero ser reconhecido como algo além de temporário, quero ter o direito de ser um professor de carreira e quero poder me aposentar, como qualquer trabalhador honesto desse país. Continuo porque meus alunos são parte muito importante da minha vida, todos, sem exceção, mas em especial aqueles que mais precisam, os mais fragilizados, aqueles que encontram na escola e nos professores, sua única referência moral. Continuo para lhes garantir qualidade de ensino da mesma forma como aqueles que podem pagar. Continuo porque a alegria estampada no rosto das pessoas humildes com quem eu compartilho meus conhecimentos e a esperança que isso lhes dá de um futuro melhor, faz a minha vida ter sentido. Por isso dei aulas aos sábados no ano passado, reforço para vestibular, sem receber nada além da sincera gratidão dos meus queridos. Amo meu trabalho, entendo a importância da minha missão e vou resistir. De coração partido, mas com a consciência limpa, continuo em GREVE por tempo indeterminado.

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