Uniões à moda da terra

Entre a maior parte da população, a mulher raramente possuía dote ou condições para se casar. A luta pelo sustento era sua tarefa principal. Mestiças, mulatas e negras sofriam privações, careciam de educação e tinham a mobilidade controlada. Não podiam ir de um lado para outro quando quisessem, embora muitas fossem beneficiadas nos testamentos de seus senhores com liberdade e bens materiais. Mesmo assim, escravas ou libertas, eram reconhecidas nos registros oficiais pela falta de sobrenome. Os filhos, bastardos ou legítimos, também podiam herdar a liberdade, a alforria e propriedades – tudo dependia da boa vontade do pai. Muitos legavam dotes às filhas para que elas pudessem se casar oficialmente, ganhando com isso um lugar de respeito na sociedade.

Sim: só a mulher casada era mulher respeitada. A escolha do cônjuge obedecia a critérios práticos. Sem dote e, portanto, sem escolha, as mulheres pobres se amasiavam para ter proteção. Tais “uniões à moda da terra” originaram famílias de mestiços e mulatos. Da mesma maneira que as uniões de brancos com índias, as de brancos, mulatos e negros não pressupunham casamento na Igreja. As pessoas se escolhiam porque se gostavam e passavam a trabalhar juntas e a ter filhos. Muitas delas só recorriam à Igreja para se casar no final da vida, pois temiam ir para o inferno. Então chamavam um padre, pediam a extrema-unção e confessavam os pecados, entre eles o de ter vivido com alguém “fora do sagrado matrimônio”. Entre brancos pobres, a situação não era diferente.

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Havia outros motivos para a multiplicação de “uniões”. O fato de as cidades serem distantes umas das outras fazia com que a maioria das pessoas morasse “pelos matos”. As que viviam longe das igrejas sentiam dificuldade em cumprir os preceitos da religião. Vinham às cidades no dia da festa do padroeiro para assistir à quermesse e rezar na procissão, mas casar na Igreja era raro. Na maioria, homens e mulheres viviam amigados antes de se casar. Viver junto antes do casamento equivalia, na linguagem da época, aos chamados “desponsórios de futuro”, isto é, uma união tendo em mente um futuro casamento.

Viver em uma família em que faltava a bênção do padre, porém, não significava em absoluto viver na precariedade. As “uniões” podiam ser, e eram, muito estáveis. Havia consenso entre os companheiros, bem como divisão de papéis e partilha de tarefas. Precária, na verdade, era a situação material dessas famílias – muitos homens tinham de abandonar as mulheres para ganhar a vida em outras localidades. A estima, o respeito e a solidariedade, no entanto, eram características encontradas tanto em um tipo de família quanto no outro. Assim como as tensões ou a violência, presentes em ambas também.

Para alguns homens, sobretudo os moradores de áreas rurais, engravidar a companheira era importante, uma vez que permitia avaliar se ela lhe daria muitos filhos ou não. Como a maioria vivia nas roças, os filhos ajudavam na lavoura, pois os pais não tinham condições de comprar escravos – os filhos eram a “riqueza do pobre”. Se eventualmente não se importavam com a virgindade, os homens prezavam bastante a fidelidade da companheira. Quando se sentiam traídos, era comum ameaçarem e espancarem a mulher. No entanto, elas davam o troco. Abandonadas, não hesitavam em tentar envenená-los ou pedir ajuda a irmãos ou parentes para que lhes aplicassem uma boa surra.

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A inexistência de anticoncepcionais eficientes acabava por dar lugar a muitos filhos. Nem todos sobreviviam, já que as condições de vida eram duras e a falta de higiene e as doenças matavam muitas crianças antes do primeiro ano de vida. Os inúmeros bastardos, por sua vez, eram absorvidos pela sociedade. Muitos substituíram o trabalho escravo nas pequenas propriedades de exploração familiar. Outros, deixados na companhia da mãe, serviam-lhe de arrimo. Estes começavam a trabalhar desde cedo, entre cinco e sete anos. Eram mais um braço para ajudar no sustento da família.

Mary del Priore

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Casamento de negros, Debret.

 

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