A fundação de Salvador

        Fundada em 29 de março de 1549, Salvador foi, até 1763, a capital da possessão portuguesa e nela se concentrava a alta fidalguia lusitana, o alto clero e os magistrados que administravam a Colônia. “Quanto às casas em que vivem cada vez se vão fazendo mais custosas e de melhores edifícios”, surpreendia-se Gandavo. Se antes de taipa e palha, agora “muito sobradadas”! Os lucros com o açúcar incentivaram a construção de edifícios oficiais e religiosos, assim como de algumas luxuosas residências. Estas, na forma de sobrados geminados de três ou quatro pavimentos, começam a ser erigidas no século XVII.

       O solar dos Sete Candeeiros é um exemplar desse tipo de obra. Outro exemplo de arquitetura residencial suntuosa se encontra no Solar do Unhão, com suas quatro fachadas livres e originalmente morada do desembargador Pedro de Unhão Castelo Branco. Pequenas capelas foram erigidas desde os primeiros anos: a da Conceição, junto ao porto, na faixa litorânea, origem da atual igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia; a da Ajuda, na Cidade Alta, que funcionou como matriz e como igreja dos jesuítas, antes da construção da Sé e da igreja do colégio dos padres da Companhia. A Sé, edificada depois da chegada do bispo Fernandes Sardinha, foi iniciada por Tomé de Souza e assim descrita por Mem de Sá, em 1570: “Fiz a Sé dessa cidade de pedra e cal, com três naves e de boa grandura”.

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        Gabriel Soares de Souza complementava, sobre o Colégio dos jesuítas: “tem esse colégio grandes dormitórios e muito bem-acabados, parte dos quais ficaram sobre o mar com grande vista; cuja obra é de pedra e cal […] com uma formosa e alegre igreja, onde se serve ao culto divino, com mui ricos ornamentos, a qual os padres têm sempre mui limpa e cheirosa”.

        A existência de casario com arquitetura mais rebuscada levava ao surgimento de opiniões favoráveis ao meio urbano colonial. Segundo o já mencionado Luís do Santos Vilhena, morador da capital baiana, em 1790, a maior parte dos sobrados desembocava na Praia, ou Cidade Baixa. Sete calçadas levavam desta à Cidade Alta. “Há nela”, explicava o autor “muitos edifícios nobres, grandes conventos e templos ricos e asseados”. Salvador tinha ainda três praças: a Nova da Piedade, onde os regimentos faziam exercícios militares; a do Palácio, em torno da qual se concentrava a residência dos governadores, a Casa da Moeda, a Câmara, a Cadeia, o Paço da Relação, o corpo da guarda principal, outras tantas casas particulares e seis ruas que se comunicavam com toda a cidade; o Terreiro de Jesus, cercado pelo colégio e igreja dos jesuítas, posteriormente à sua expulsão, transformado em Hospital Militar, a igreja dos Terceiros de São Domingos, a igreja da Irmandade de São Pedro dos Clérigos e inúmeras casinhas bordejando sete ruas que ali desembarcavam.

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        Nas cercanias da cidade se encontrava o bairro de São Bento, planície aprazível cortada por ruas largas, onde se erguiam belas residências e algumas igrejas; o bairro da Praia, endereço de opulentos comerciantes, o de Santo Antônio, menos importante. A preocupação de Vilhena era, contudo, com a construção demasiada em terreno impróprio.

        Segundo ele, encarapitadas morro acima, por “evidente milagre, não rolavam” morro abaixo. “Visto que todas são feitas de tijolo, sobre delgados pilares do mesmo, levantados em precipícios escarpados, e sem terreno para segurança dos alicerces cuja vista infunde terror ao mais afoito e destemido”, queixava-se. Sua preocupação era tão maior quanto nas fachadas de tais sobrados sobrepunham-se varandas com rótulas, cobertas com telhadinhos. A escuridão dava ao “tapume de rótulas”, como o chamava, um aspecto fúnebre. Ainda criticando a fragilidade do urbanismo de Salvador, lembrava que, se “troassem canhões” de nações inimigas sobre a Cidade Alta, esta arruinaria a Cidade Baixa.

  • Texto de Mary del Priore. “Histórias da Gente Brasileira: Colônia (vol.1)”, editora LeYa, 2016.

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Salvador, 1638, Instituto Moreira Salles.

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