A FORMAÇÃO DE UM SENTIMENTO DUPLO DE PERTENCIMENTO

Por Natania Nogueira.

          Pertencer a um território envolve muito mais do que se fixar ou estabelecer morada. Envolve, acima de tudo, o estabelecimento de relações sociais e a construção de uma identidade regional. Quando se nasce em determinada cidade, em determinado país, inicia-se o processo de construção dessa identidade. Mas existe uma diferença entre se ter uma identidade territorial e uma cultural.

        Saber que pertence a um território, aprender um idioma, criar vínculos sociais, adaptar-se ao clima e as exigências legais não implica, necessariamente, a existência de um sentimento de pertencimento. Este sentimento também envolve da construção de uma identidade cultural. A identidade cultural engloba hábitos, crenças e tradições ligadas diretamente ao nosso cotidiano. O sentimento de pertencimento surge justamente da articulação da união entre a identidade territorial e a identidade cultural. Mas, e quando o indivíduo é transportado para outro território, para outro país? O que acontece com o sentimento de pertencimento?  Como seria a relação do imigrante com o território e a cultura locais?

       A princípio ocorre uma adaptação a uma nova realidade. Novas regras, outro idioma, clima, outro tipo de alimentação. É uma necessidade. O imigrante tem plena consciência de que vai começar uma vida nova. Mas é possível descartar toda uma vivência, uma cultura acumulada durante no decorrer dos anos? Um adulto formado perde seu sentimento de pertença por não morar mais no seu país?

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      Romper os laços culturais é muito mais difícil do que romper os laços territoriais. O processo de mudança é, acima de tudo, um processo doloroso, uma vez que o imigrante abandona tudo que conhece para se aventurar em uma terra estrangeira, sem ter certeza se será ou não acolhido. A distância e a integração com a população local acabam por resultar em uma espécie de hibridismo cultural. O imigrante assimila ou substitui alguns valores de sua cultura de origem como forma de se adaptar à nova realidade, mas mantém vivo parte daquilo que lhe confere o sentimento de pertença.

      Segundo Ivy Daure e Odile Reveyrand-Coulon, “para os imigrantes e seus descendentes a família passa a ser, no melhor dos casos, a unidade representativa das particularidades sociais e das tradições do país de origem, além de único espaço de transmissão cultural”. Mas em muitos casos ela não é suficiente. Uma forma de minimizar este trauma se faz, por exemplo, por meio da criação de jornais, revistas e associações de imigrantes.

     As associações, especialmente, criam situações de convivência que ajudam manter os laços com o país de origem. Imigrantes se encontram, contam histórias, partilham experiências e falam sobre o país de origem. No Brasil, por exemplo, comunidades de italianos, japoneses, alemães e portugueses, recorreram a estas estratégias como uma forma de manter viva parte da sua cultura original e transmiti-la a seus descendentes. Da mesma forma, brasileiros que moram em outros países também formaram suas comunidades, algumas vezes reunidas a partir de associações que promovem encontros e buscam transmitir para as novas gerações hábitos e valores da terra natal. No site do Ministério das Relações Exteriores podemos encontrar uma grande relação estas associações, localizadas em vários países e em todos os continentes habitados.

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      Essas associações tendem a suprir uma carência cultural. Em suas reuniões, imigrantes podem ter contato com a música, com a culinária e com o idioma natal, num ambiente em que todos compartilham uma mesma identidade cultural. Estas iniciativas promovem não apenas uma aproximação do imigrante com seu país de origem como também fortalece e ajuda a construir em seus descendentes uma identidade étnica.

      As crianças são envolvidas em atividades que lhes permitem aproximar culturalmente do país de seus pais, aprimorando seu vocabulário, adquirindo conhecimento e solidificando valores culturais herdados por gerações passadas. Elas podem transformar sua dupla nacionalidade em um duplo sentimento de pertencimento.

      A relação entre pais e filhos, estes nascidos no país adotado, ajuda a forjar este hibridismo cultural. Da troca de experiência entre eles, pode emergir um sentimento duplo de pertencimento, ora aproximando o imigrante da cultura local, ora aproximando seu filho da cultura do país de origem dos pais. Este processo ajuda a recuperar aquilo que o imigrante perde quando chega em outro país, que é o sentido de si. Ele reforça suas raízes culturais e os laços com sua memória e ainda fortalece suas relações com a comunidade onde escolheu viver.

      Interessante poder analisar este processo ao longo da história. Nações inteiras foram construídas a partir de processos migratórios. Em tempos mais recentes e com a globalização, novos componentes foram acrescentados e temos hoje a possibilidade de nos defrontarmos com cultura hibridas onde há um duplo sentimento de pertencimento, que pauta as relações individuais e coletivas e dá novos contornos à sociedade global.

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Sugestões de leitura:

ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Fé, trabalho e família: a construção de memórias entre descendentes de imigrantes italianos. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/68487, acesso em 30 out. 2016.

DAURE, Ivy, REVEYRAND-COULON, Odile.Transmissão cultural entre pais e filhos: uma das chaves do processo de imigração. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652009000200011, acesso em 30 out. 2016.

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2 Comentários

  1. Marcelo de Faria

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