“O crime do cais do Valongo” – Um assassinato, muitas histórias

          Um corpo amanhece em um beco do Rio de Janeiro no início do século 19 em estranhas condições. O crime do cais do Valongo (editora Malê), de Eliana Alves Cruz, é um romance histórico-policial que começa em Moçambique e vem parar no Rio de Janeiro, mais exatamente no cais do Valongo. O local foi porta de entrada de 500 mil a um milhão de escravizados de 1811 a 1831 e foi alçado a patrimônio da humanidade pela UNESCO em 2017. A história  é contada por dois narradores — Muana e Nuno — que conviveram com a vítima: o comerciante Bernardo LourençoVianna.

            A escravizada Muana Lomué e o mestiço Nuno Alcântara Moutinho conduzirão o leitor pela trama, que tem pitadas de realismo fantástico e descreve de forma detalhada não apenas parte do Rio de Janeiro da época, mas a vida da cidade por intermédio dos anúncios publicados na Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal impresso em solo brasileiro. A busca incessante de Muana por notícias de seu grande amor – que com ela desembarcou e desapareceu – e sua angústia por saber com antecedência se ela e os companheiros serão vendidos pelo senhor, a conduzem aos avisos da Gazeta, espécie de seção de classificados.

           Nuno, um mestiço boêmio, amante dos livros e das artes, investigará a morte do comerciante ao se aproximar do poderoso Intendente Geral, Paulo Fernandes Vianna, primo do morto e amigo do rei Dom João VI. Muana e Nuno são dois personagens que gravitam na cidade dividida pela enorme Pedra do Sal. Um lado é o dos cidadãos de bem, da cidade que está abrigando a Família Real recém-chegada, o outro é o dos escravizados e dos que vivem do seu comércio. Uma parte isolada para onde foram movidas todas as atividades ligadas ao tráfico e aonde os que ali chegavam mortos eram sepultados no cemitério dos Pretos Novos.

            O Intendente Geral e alguns personagens citados, como o livreiro Manoel Mandillo e a cantora lírica Joaquina Lapinha, realmente existiram. A Gazeta do Rio de Janeiro dava conta de suas atividades e revela uma sociedade que em muito dialoga com a atual.

            Com o “O crime do cais do Valongo” o leitor viajará também para a África Oriental, parte do continente pouco conhecida dos brasileiros, mas que está, assim como muitas outras, impressa em seu DNA. As memórias de Muana vêm à tona ao longo da história e conduzem a um mundo mágico, de rara beleza e complexidade e que também esteve nos alicerces da construção da nação brasileira.

            Neste ano de 2018, em que a abolição da escravatura no Brasil completa 130 anos e a imprensa nacional 210 anos, “O crime do cais do Valongo” chega para falar da luta por liberdade por intermédio da busca pelo conhecimento, do acesso a informação e, principalmente, pelo direito à existência preservando a memória e a história de cada um.

Eliana Alves dos Santos Cruz
capa

O livro estará à venda no site da Editora Malê, na Amazon e nas livrarias da Travessa

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