Banditismo e vingança nos sertões do Brasil

Segue mais um trecho do livro – ainda inédito – “História do Crime no Brasil”, organizado por Mary del Priore e Gian Carlo. Neste texto, os autores analisam o banditismo e as disputas familiares, desde os tempos coloniais. Confira:

Por Célia Nonata da Silva e Francisco Linhares.

Pelas glebas do sertão potiguar, e uma parte do torrão paraibano,o cheiro de sangue, misturado ao ardil das vinganças sussurravam no ar mais uma história. Um homem valente a teceria, deixando um rastro de mortes e tramas de vingança para defender a honra dos seus e dos oprimidos, Jesuíno Alves de Melo Calado, o Brilhante, também conhecido como o “lendário bacamarteiro dos sertões”.

Jesuíno teve sua saga cantada em baladas populares que ficaram registradas graças ao empenho dos folcloristas que celebram a tradição oral. “Monumentalizado” por autores que se debruçaram sobre sua vida, suas aventuras ainda hoje figuram no imaginário popular nordestino,configurando-o como o “bom bandido”.

A saga de Jesuíno Brilhante foi breve, nasceu em março de 1844, no sítio Tuiuiú, sete quilômetros do que hoje conhecemos como a cidade de Patu, no oeste do Rio Grande do Norte, e morreu em dezembro de 1879, no riacho dos porcos, município de Brejo da Cruz, na Paraíba, com apenas 35 anos de idade. Alguns anos após sua morte seu corpo foi exumado pelo médico Francisco Pinheiro de Almeida Castro, que levou seu crânio e deixou exposto na Escola Normal, em Mossoró, sendo oferecido como presente ao eminente médico alienista, Dr. Juliano Moreira, que o levou para o Rio de Janeiro.

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Jesuíno Brilhante é herdeiro de uma rixa entre sua família, os calados, e “os pretos” da família Limão, a qual gozava de proteção dos políticos da região. Jesuíno era um sertanejo que possuía terras, ainda que poucas, sendo possível criar e produzir poucos viveres quando a chuva não era tão irregular. Mas diante das confusões, ele é jogado para o epicentro de um dos conflitos mais sangrentos entre famílias no Oeste Potiguar, iniciado pelo roubo de uma de suas cabras por Honorato Limão e a surra impetrada contra Lucas, seu irmão, em uma bodega, durantes os festejos em Patu. Este último episódio foi o estopim para o conflito.

A partir daí, perseguições, vinganças, emboscadas e um rastro de sangue mancharam o sertão.Em 1871 Jesuíno já liderava um grupo forte de homens valentes, capazes de feitos que mostravam sua bravura, figurando, entre eles, o famoso assalto à cadeia de Pombal-PB, para libertar seu irmão Lucas, em 1874. Durante a grande seca de 1877, arrebatava os viveres dos comboios do governo para distribuir aos pobres, sendo, por isso, adorado pela população pobre. Defensor das moças ultrajadas, dos fracos e velhos, é descrito por Câmara Cascudo como uma “espécie matuta de Robin Hood”.

Defensor do respeito à propriedade e dos pobres, embora os feitos de Jesuíno Brilhante o consagrem como um bandido romântico, dono de um código de honra e conduta rígidos, punia severamente seus homens que quebrassem qualquer um deles, principalmente se deflorassem moças e roubassem.Portanto, Jesuíno Brilhante não deve ser compreendido como uma figura mítica, romantizada, como a historiografia mais tradicional se encarregou de fazer, deve ser localizado dentro do contexto das brigas de família e de poder no sertão potiguar.

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Com a saga do “Brilhante” encerramos, pois, nossos poucos exemplos de homens valentes e suas histórias, que habitaram os sertões brasileiros, povoando o imaginário heroico popular. Suas formas de vingança, a obstinação pelo sangue como o único remédio para a honra maculada, e suas façanhas que engrossaram a longa lista de bandidos nas sociedades agrárias do Brasil.

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