Smarts e companhia: a vaidade masculina

          No início do século XX, a moda era uma obsessão entre a gente das grandes capitais. Muitos homens sonhavam em ser chic ou ser smart, ou seja, em desfilar com as vestimentas e os acessórios da última moda. Nos jornais que se multiplicaram, as colunas sociais ditavam as normas de comportamento e vestuário para os membros da fina sociedade. A campanha civilizatória que já se apossara das cidades, doravante, incidiria sobre os corpos, a indumentária: uma lei obrigava os cidadãos a usar paletó e a vestir sapatos, para circular pela região central da capital. Quem fosse pego descalço ou em “mangas de camisa”, poderia ser preso. O que chegou a ocorrer, já que o projeto passou no Conselho Municipal.  O fraque ainda era a peça escolhida pelos homens para ser usada no período da manhã e da tarde em seu cotidiano social – informa o pesquisador de história da moda, Marcos Sabino. À noite, o smoking era usado em eventos black-tie como premiações, cerimônias e festas a rigor. Portava-se a casaca preta como traje a rigor para a noite, acompanhada de calças pretas, camisa branca de peito engomado, cartola preta de mola, sapatos pretos de verniz, luvas e gravata-borboleta branca. Confeccionada geralmente em casimira, a casaca possuía lapelas em cetim ou seda e era levemente acinturada. Herança do século XIX, camisas e coletes podiam ter botões em pedras preciosas. Os suspensórios confeccionados a partir de tiras de tapeçaria passaram a ser confeccionados em veludo e lona. No início do século, surgiu o modelo usado até hoje: duas tiras frontais passando pelos ombros, terminando em Y nas costas, presos por botões ou clipes: os jacarés. Lenços, abotoaduras, gorros e boinas de dormir integravam o guarda-roupa elegante.

            Na capital, a Rua do Ouvidor era o maior centro do comércio sofisticado, oferecendo artigos importados, os mais cobiçados. Logo, as tradicionais sobrecasaca e cartolas, símbolos da sociedade patriarcal e aristocrática do Império foram substituídas pelo paletó de casimira clara e o chapéu de palha. Chapéu tipo coco ou palheta, como informou Carolina Nabuco:

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A austeridade transparecia também nas roupas dos homens. O comedido e o moderado que caracterizavam a atitude dos brasileiros, sobretudo os de idade, parecia trazer algo da goma que lhes endurecia os colarinhos. Não existiam naqueles tempos camisas esporte e o colete era parte do terno, hoje reduzido a duas peças…Também nenhum homem, de senador a operário, saía sem chapéus. Era coco ou palheta”.

Não faltava quem saísse do interior, para fazer compras “na cidade”, como contou Otávio Gonçalves:

O professor, “seu Pimenta” às vezes se dava ao luxo de dar um passeio nas férias de fim de ano. Ia ao Rio de Janeiro, São Paulo e sempre trazia terno novo, sapato, gravata, coisas da última moda, pois que o velho solteirão era vaidoso. Naqueles tempos já pintava os cabelos, coisa completamente desconhecida na vila”.

Lembra a historiadora Márcia Pinna Raspati que, apesar da figura do dândi estar presente na Europa desde o Oitocentos, ela ainda fazia sucesso no Brasil no início do século XX. De maneira geral, seus representantes ficaram conhecidos como homens que se preocupavam com a aparência e não tinham pudores em demonstrá-lo, vestindo-se com apuro e lançando moda. Um deles foi Alberto Santos Dumont que além de construir balões e aviões, tinha a preocupação de vestir-se com esmero. O inventor estava sempre vestido com apuro, mesmo quando trabalhava sobre motores ou debruçado sobre protótipos em madeira. Seu guarda-roupa era formado por ternos de risca-de-giz, camisas de colarinho alto e engomado, sapatos com salto para parecer mais alto e chapéu com aba abaixada. Apesar da fama, o inventor sofria de depressão crônica. Ao suicidar-se no banheiro do Grand Hotel de la Plage no Guarujá, litoral de São Paulo, muito se discutiu: teria se enforcado com o cinto do roupão ou a gravata?

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Os anúncios de jornais cariocas exibiam as “últimas criações para verão 1915-1916” na Casa Colombo, Avenida Rio Branco: “Costume caçador em brim branco artigo sólido e elegante”. Na Rua Uruguaiana, a Casa New-York oferecia “ternos sob medidas de lindas casimiras inglesas de pura lã. Corte americano, fino gosto e elegância”. Já a Fábrica Confiança, produzia “colarinhos, punhos, camisas e outros artigos e roupas brancas para homens”. Tais modas circulavam pelo Brasil e não eram apanágio da capital. Que o diga Érico Veríssimo sobre seu pai e um amigo dele:

Sua vaidade era visível a olho nu. Tinha muitas roupas e sapato, um smoking, uma casaca, um chapéu alto e uma riquíssima coleção de gravatas […] Devo confessor que eu implicava com uma das “roupas de domingo! De Mário Lacombe (um dos melhores amigos), um conjunto de veludo marrom, com as calças afuniladas que lhe iam até meia canela, e uma jaqueta com enorme cabeção à marinheira”.

No Norte, havia moda masculina e cuidados com a roupa como narra Thiago de Mello: “Tempo do traje branco. Do traje certo, apropriado ao clima da cidade. Nos dias da semana, a maioria dos homens se vestia de branco. O jaquetão cruzado, de seis botões, ou o paletó e o colete. Mas era nos domingos que o branco tomava conta da cidade, traje de festa,, de solenidade e de aniversário. Quem podia usava os linhos da Irlanda. O H.J e o S.120. A maioria envergava mesmo era brim nacional. Havia lavadeiras especializadas em lavar, e sobretudo, engomar a ferro de brasa os fatos brancos. Porque antigamente, o caboclo não dizia terno, dizia era fato, como aprendeu com o português, no tempo em que cabide era cruzeta. Muitas esposas, minha mãe dona Maria uma delas, se orgulhavam de engomar, elas próprias, na água rala da mandioca, suando encima dos ferros, as fatiotas brancas dos maridos. O branco chega ficava brilhando. O fino da época era o fato branco, a camisa de palha de seda e o chapéu de palhinha”.

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Nas décadas de 1930 e 1940, não houve novidade para a moda masculina. Os homens vestiam ternos com jaquetões em tecidos lisos ou em riscas de giz, as lapelas eram largas assim como as bocas das calças que passaram a ter cintura mais alta. Veríssimo as detestava:

Nos meus tempos de Cruzeiro do Sul, uma das fontes do complexo de inferioridade que me perturbava eram as minhas roupas. A fatiota cinzenta domingueira era obra do pior alfaiate de Cruz Alta, que devia ser um dos piores do mundo. Num tempo em que estavam na moda casacos muito compridos e cintados e calças tão estreitas que nas partes inferiores mais pareciam perneiras, eu saía aos domingos com o meu “casaquinho de pular cerca”, as calças com boca de sino, os pés metidos nuns sapatos de bico rombudo, quando o último grito eram os calçados com solas de borracha pontiagudos como torpedos. (Ah, a novidade, o prestígio da sola Neolin!)”.

Na sapataria, além dos bicos pontudos, chegavam modelos de bico quadrado ou arredondado, em couro bicolor ou, última novidade, tênis de lona. O arsenal de peças no guarda roupa passou a variar e incluía pulôveres, suéteres, blazers, camisas sociais e de mangas curtas, além de trajes de banho em lã, inteiriços ou do tipo sungão, explica Raspati. A roupa em escala industrial, feita por grandes confecções, tornava-se uma opção para quem precisava das mais baratas. Era o prêt-a-porter.

  • “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.

Alberto Santos Dumont, além de construir balões e aviões, era modelo de elegância

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