Para entender melhor a mudança radical na silhueta feminina que se deu no final do século XVIII e início do XIX, precisamos relembrar as transformações que a Revolução Francesa (a tomada da Bastilha pelos revoltosos em 1789 é considerada o auge dos acontecimentos) trouxe ao vestuário e que chegaram, com atraso, a Portugal. A corte de Maria Antonieta e Luís XVI foi marcada pela ostentação e o luxo. A moda da época nos dá pistas dos desmandos na nobreza: saias enormes, joias caríssimas, uma infinidade de sapatos, tecidos finos e importados, penteados inacreditavelmente armados, e perucas, sempre polvilhadas com farinha de trigo. Chegou a faltar pão em Paris, por causa deste hábito dos poderosos.
A revolução trouxe modificações na indumentária, rejeitando tudo o que lembrasse a monarquia e a nobreza. Os poderosos optaram por adotar trajes mais simples, sem ostentação e bem diferentes do que se usava até então. A inspiração era a cultura greco-romana. Neste contexto, surge o vestido tipo Império, que aposentou – não por muito tempo – a tradicional figura de mulher composta por corpete justo e saias volumosas.
A suposta simplicidade dos primeiros tempos, contudo, foi substituída aos poucos por um luxo tão desmedido quanto o que Maria Antonieta e Luís XVI ostentavam. Com a ascensão de Napoleão Bonaparte, primeiro como cônsul e depois como imperador (1804), e de sua mulher Josefine, os desmandos da aristocracia retornaram. E até de maneira mais agressiva, já que a corte que transpirava ares de novo-rico, como diziam as más línguas da época. A imperatriz adorava lançar moda, como fazia a rainha Maria Antonieta.
Os vestidos Império usados por Josefine, de tecidos finos e transparentes, mangas bufantes, tornaram-se coqueluche em quase toda Europa – as damas aderiram até na Inglaterra, inimiga feroz da França na época. Para proteger do frio, redingotes no estilo dos militares, capas e xales. E dá-lhe brocados, rendas, telas de ouro e prata, damascos, veludos, sedas e musselinas. E ainda muitas plumas, joias enormes, sapatos rebuscados, luvas, chapéus. A moda é mesmo surpreendente e possui uma incoerência intrínseca em seus domínios: os franceses cobriram de luxo o que deveria ser simples e despretensioso.
Portugal, sempre conservador, demorou mais para aderir às mudanças no vestuário pós-revolução. Napoleão Bonaparte foi responsável pela mudança da Corte lusitana para o Brasil, já que o príncipe regente veio se refugiar na Colônia justamente para escapar à sanha conquistadora do imperador da França. Pressionado pela Inglaterra, D. João tomou a decisão ousada de cruzar o Atlântico e fixar-se no Rio de Janeiro. Não é que política e moda formaram uma teia complexa naqueles tempos? Fugindo de um ataque do exército francês, a Corte portuguesa acabou possibilitando o reinado absoluto das modas francesas no Brasil. Muitos franceses puderam se se estabelecer aqui e logo impuseram um outro tipo de dominação: o comércio de roupas e adereços femininos se tornou território exclusivo deles. – Márcia Pinna Raspanti.
Imperatriz Josefine: uma nova silhueta feminina.