Que deselegantes!

Mesmo após ter acesso a bens importados, moradores do Brasil eram considerados mal vestidos pelos estrangeiros

Por Márcia Pinna Raspanti 

A abertura dos portos às nações amigas, em 1808, permitiu que o Brasil fosse invadido por artigos importados dos mais variados, principalmente de origem inglesa. Os produtos ligados à indumentária e à beleza deram novo fôlego à vaidade dos homens e mulheres de então. O período imperial no Brasil foi marcado por modos e modas que acompanharam as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais. Roupas, acessórios, joias e penteados revelam como se comportavam as pessoas, a sutileza de seus costumes e os códigos secretos da vida em sociedade.

O acesso aos itens de luxo, entretanto, não tornou os moradores das terras brasileiras mais elegantes aos olhos dos viajantes estrangeiros. D. Pedro I, apesar de ter sido um homem atraente, também não ficou particularmente conhecido pela elegância no vestir e nas maneiras. A francesa Rose Freycinet, em visita ao país em 1817, registrou: “O príncipe real é alto e bastante bonito, mas suas maneiras são péssimas e a sua pessoa vulgar. Vestia-se, na ocasião (uma missa na Capela Real), com um fraque marrom e uma calça de nanquim, traje bastante ridículo para as 8 horas da noite, numa grande festa pública”.

Os ingleses detinham a venda de artigos para homens, concentrando-se nas ruas Direita e da Alfândega, no Rio de Janeiro. Além de tecidos para “senhores finos”, comercializavam “fatos feitos”, meias e lenços de seda, luvas, casacas, chapéus, coletes de sedas e de tecidos mais ordinários, gravatas, jaquetas, pistolas e artigos para montaria. As cores eram escuras, com muito azul e preto, mas alguns itens coloridos eram trazidos ao Brasil e tinham boa aceitação entre os cavalheiros.

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Já os franceses ocuparam a Rua do Ouvidor e privilegiavam a moda feminina. Era uma infinidade de lojas e maisons, que ofereciam todos os mimos até então inimagináveis às brasileiras: roupas, tecidos, perucas, luvas, lenços, sapatos, águas de colônia, cosméticos, leques, bijuterias, meias, espartilhos; enfim, tudo o que havia de mais chique. Os chapéus passaram a ter lugar de destaque na indumentária feminina.

Os vestidos usados pela imperatriz francesa Josephine, mulher de Napoleão Bonaparte (1769-1821), um novo modelo com cintura mais alta, logo abaixo do busto, feitos de tecidos finos, transparentes e mangas bufantes, chegaram ao Brasil. Mas o modismo, chamado de modelo império, aqui não durou muito: as saias rodadas, sustentadas pelas crinolinas (armações redondas de crina de cavalo, barbatanas de baleia ou arame), logo voltaram com toda a força, ainda na primeira metade do século XIX. Os pés se esconderam novamente sob as saias, que podiam ser adornadas por cascatas de babados, no caso das mais jovens. O espartilho voltou a reinar. Os penteados eram formados por cachos, à europeia. O xale ainda era indispensável na indumentária feminina, inclusive entre as mulheres mais pobres.

As iaiás do Nordeste se vestiam com cores claras, rendas de bilros (de preferência do Ceará ou de Bruxelas), saiotes engomados de algodão, luvas, leques e chapéus. Os decotes eram mais discretos que no século anterior, com colarinhos fechados e broches arrematando as golinhas brancas. O tafetá, especialmente negro e de cores escuras, parecia dominar as preferências das matronas dos engenhos e senhoras das fazendas do interior. As mulheres da aristocracia rural eram mais austeras com relação aos adornos que as damas do Rio de Janeiro. Nas festas e bailes, preferiam mostrar os ombros e as saboneteiras. Os braços também podiam ser exibidos, nus ou envolvidos em tecidos transparentes. Joias e mais joias complementavam o visual das mulheres da elite, tanto nas áreas rurais quanto urbanas.

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As mulheres “brasileiras” sempre tiveram um gosto especial pelos adornos chamativos e os adereços – pelo menos, assim nos contam os viajantes estrangeiros que estiveram nas terras coloniais. As aves exóticas aos olhos europeus, abundantes e variadas, tornaram os enfeites de penas coloridas um modismo. As flores de penas eram uma mania entre as damas da sociedade, muito usadas em chapéus. Os leques feitos do mesmo material também entraram na moda. Esses pequenos luxos eram produzidos nas manufaturas do Rio de Janeiro e de Salvador, tornando-se mais populares a partir de 1860. Os mimos de penas coloridas podiam ser encontrados na chiquérrima Rua do Ouvidor, e seduziram igualmente as estrangeiras. A imperatriz Leopoldina e a princesa Teresa da Baviera enviaram exemplares dessa bela arte para a Europa.

Já a moda masculina no Segundo Reinado foi marcada pela austeridade: sobrecasaca comprida e cartola preta, bengala, relógio de bolso e colete. A figura de D. Pedro II (1825-1891) ilustra bem o modelo de elegância dos homens da elite da época. Com um estilo pessoal pouco dado à pompa e à ostentação, o imperador aparece quase sempre retratado nestes trajes. O evento social mais famoso da época foi o Baile da Ilha Fiscal, que ocorreu seis dias antes do golpe que derrubou o imperador. Foram distribuídos mais de dois mil convites e as lojas que comercializavam roupas finas no Rio de Janeiro logo tiveram seus estoques esgotados. Nem o glamour da festa, porém, impediu o fim melancólico do regime.

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Márcia Pinna Raspanti.

Texto publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional.  Baseado em “Vestindo o corpo: breve história da indumentária e da moda no Brasil, desde os primórdios da colonização até o final do Império”. in: História do Corpo no Brasil, org. Mary Del Priore e Márcia Amantino, (Editora Unesp, 2011).

d.pedroseg

 

D. Pedro II: trajes luxuosos nas cerimônias oficiais e austeros no cotidiano.

3 Comentários

  1. Andrew Amaral
  2. celso

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