Prisioneiros em seus próprios corpos

Em nossa cultura, a maior parte de pessoas que recusam o sexo que lhes foi determinado no nascimento, prefere tratar do assunto com discrição. Mas há aquelas, em que as pessoas vivem com um sexo diferente do original e com um status social que as valoriza: é o “terceiro sexo”. É o caso dos Hijras na Índia ou de algumas crianças inuit, esquimós. E também de várias tribos indígenas entre o México e o Alasca. Entre nós, ser transexual é um destino individual e não há previsão de um status social específico para esses indivíduos. O que eles desejam é tornar-se membro de outro sexo e não de um “terceiro sexo”. E embora tenham pontos em comum, cada indivíduo tem sua história e formulações específicas sobre seu próprio caso. A maior parte, queixa-se de ser prisioneiro de um corpo que não reconhecem como seu. Sua demanda reveste não o desejo de ser mulher ou homem, mas uma convicção de ser mulher ou homem.

Nos últimos anos, desenvolveu-se um movimento transgênero que tem por objetivo transcender o “gênero”. E outro, reagrupando os que desejam um sexo sem gênero fixo, indeterminado, múltiplo. O transexualismo é um fenômeno próprio de nossa cultura. Foi necessário o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas e de endocrinologista para tornar possível a transformação corporal. Um verdadeiro corpo do outro sexo? Impossível, porém, pois os cromossomos não podem ser transformados e o interior do corpo, apesar das mudanças externas, continua o mesmo.

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A palavra transexualismo é recente e está ligada às tentativas de agir sobre o corpo para modificá-lo.  Foi o médico alemão Henry Benjamim, pioneiro em intervenções e tratamentos e autor de “O fenômeno Transexual”, publicado nos EUA, quem a cunhou, em 1953.  Em dez anos o conceito se impôs e começou a distinção clínica entre transexualismo e travestismo, que até então se confundiam. No primeiro caso, trata-se de um problema de identidade de alguém que não pode viver na pele de um homem (transexualismo masculino para o feminino) ou na pele de uma mulher (feminino para o masculino). O travestismo é um prazer particular, originado por múltiplos motivos, de vestir-se com roupas do outro sexo, de “montar-se”.

Depois dos anos de luta e sofrimento e da absolvição do médico, tais cirurgias só começaram a ser regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina em 1997. Apenas em 2008, é que o governo oficializou as chamadas “cirurgias de redesignação sexuais”, implantando o “Processo Transexualizador” através de seu órgão da saúde, o Sistema Único de Saúde – SUS. O mais importante, contudo, é a sociedade aceitar a identidade narrativa de cada transexual: ou seja, aceitar a narrativa que cada um faz de sua própria história, sem que seja necessário escondê-la ou apagá-la.- Mary del Priore.

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 Os hijras na Índia: status diferenciado.

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