Por Natania Nogueira.
Estamos no caminho para romper com a ideia socialmente difundida de que apenas o monumento deve ser preservado. Nas últimas décadas, vem sendo debatida a importância da preservação como uma forma de conscientização, que abarca toda a sociedade. E não apenas um pequeno grupo pseudo-intelectualizado que toma para si a função de eleger elementos pontuais da paisagem urbana e natural como aqueles que devem (ou não) ser preservados.Está crescendo a preocupação com a preservação de conjuntos arquitetônicos, antes considerados desprovidos de atrativos.
Podemos apontar como exemplo as vilas operárias, que no Brasil começaram a surgir no final do século XIX. São Paulo é um caso típico de cidade que se industrializou ainda sob a égide da cafeicultura. Industrialização e crescimento urbano andam juntos, assim como o surgimento de bairros habitados por trabalhadores urbanos, por operários, são fruto da expansão da indústria.
A princípio, esses bairros possuíam características próprias, casas de pau a pique, ruas onde o esgoto corria a céu aberto e o poder público geralmente não estava presente. Bairros populares, que cresceram de forma desordenada, ocupados pela população pobre, operários, jornaleiros e biscateiros. No início do século XX, eles são substituídos pelas vilas operárias, construídas para servirem aos propósitos dos empresários, com o objetivo de ampliar seu controle sobre os trabalhadores das fábricas, mas também para afastar o pobre, o trabalhador, do centro da cidade. Encampava-se uma política de exclusão e discriminação, de controle social sobre as camadas mais pobres, consideradas perigosas.
O conjunto arquitetônico do qual fazia parte a fábrica envolvia seu entorno, onde estavam as moradias dos operários. As vilas operárias foram crescendo e se multiplicando à medida em que o Brasil passou a adotar uma política de incentivo à indústria, ainda na primeira metade do século XX, com a crise da agroexportação. Essas vilas operárias poderiam se tornar grandes complexos, com creches, escolas, mercearias e igrejas.
Tudo bem organizado e regulado para manter o operário sempre próximo ao ambiente de trabalho e sob a tutela do patrão. Casas simples, todas iguais e enfileiradas onde uma parede, muitas vezes fina, muitas vezes não protegia a privacidade familiar. Sobre esse aspecto, a historiadora Vanda Arantes declara que:
“na casa proletária a construção não garante privacidade e intimidade. De um cômodo, ouve-se o que se fala em outro; de uma casa, sabe-se o que se passa na outra; da rua enxerga-se o interior da morada. Os moradores, quer queiram ou não, convivem. Somente a porta, separada da rua por um degrau, separa tenuemente o público do privado.”
Nessas vilas, formavam-se redes de sociabilidade e solidariedade. Hábitos e costumes eram difundidos e iam muito além das normas impostas pela fábrica. Trabalhadores submetidos a penosas jornadas de trabalho muitas vezes tinham que contar com o apoio de vizinhos para ficar com os filhos em casos de doença, ou mesmo tomar emprestado gêneros de primeira necessidade.
Afastados do centro das cidades, os moradores muitas vezes só podiam recorrer às mercearias locais, cujo valor dos alimentos era bem mais alto. Essas mercearias, em muitos casos, fatalmente pertenciam ao dono da fábrica, reproduzindo uma dependência por endividamento bastante semelhante ao que ocorria com os primeiro imigrantes que trabalharam nas lavouras de café.
Casas germinadas de uma vila operária no Bairro de Belém. Disponível em http://chega-de-demolir.blogspot.com.br/2010/09/dia-mundial-do-turismo.html, acesso em 21 de ago. de 2014.